Os anos 90 foram a década dos jogos de luta. Em um período de apenas dez anos, o gênero recebeu diversos títulos renomados, jogados à exaustão tanto em arcades quanto nos consoles, como Super Street Fighter II Turbo (1994), Mortal Kombat II (1993) e SoulCalibur (1998), e outros que permanecem até hoje na memória dos fãs.

Naturalmente, o sucesso logo resultou em centenas de títulos  quase sempre de qualidade duvidosa  que tentavam surfar na grande onda de popularidade do gênero. E apesar de o Brasil ter uma cena de desenvolvimento de jogos minúscula na época, um grupo de três programadores de software de Santos, no litoral de São Paulo, não queria que esta onda fosse só uma marolinha no país.

O trio Marcelo Frangetto, Luiz Fernando Barros e Luiz Carlos Villas Boas formou a PC System, empresa fundada em 1990 voltada a assistência e serviços de computação. Em meados de 1996, a companhia começou a desenvolver Brazilian Fighters, um jogo de luta com personagens representando estados e regiões do país e cenários tipicamente nacionais.

Uma demonstração do título chegou a ser lançada na edição 8 da revista BigMax, mas a versão completa do jogo nunca foi publicada.

(Você pode baixar a demo clicando aqui. Para jogá-la, é necessário um programa que rode jogos em DOS).

Tão caricato quanto os personagens, o enredo de Brazilian Fighters gira em torno de um golpe de estado no ano de 2024, apoiado pela maioria do congresso nacional, em que o presidente deposto convoca dez lutadores de diferentes parte do Brasil para restabelecerem a democracia.

A história da criação jogo em si, porém, revela problemas e percalços enfrentados até hoje por desenvolvedores brasileiro, mesmo passados mais de 20 anos.

Desenvolvimento de jogos para escanteio

Quem liderava o desenvolvimento do game na PC System era Frangetto, que estava cansado da vida de criador de software. Em seu tempo livre, o programador, hoje com 53 anos, desenvolvia protótipos de jogos via engenharia reversa.

Embora jogos já fossem bem populares na época, Barros e Villas Boas não se sentiam seguros em investir em videogames, até Frangetto mostrar a eles Brazilian Fighters, sua criação mais sólida e concisa. Vendo o potencial do jogo, deixaram Frangetto livre de outros serviços da PC System para desenvolvê-lo.

Mesmo sob fortes críticas de parentes e amigos, que não enxergavam futuro na produção de games, o programador colocou o foco da empresa no título. Isso não foi nada fácil, já que na época o acesso a conteúdo sobre produção de jogos e ferramentas de desenvolvimento (como motores gráficos) era quase inexistente, e se aprendia na tentativa e erro.

"Eu vivia muito antenado, mas não tinha internet. A gente acessava internet por meio das pastas das universidades. Tinha de pegar o documento e ir lá dar uma olhada. E era tudo genérico, não tinha nada específico. 'Faça aqui seu jogo'. Isso não existia", explica Frangetto.

Brazilian Fighters teve uma rápida adesão da mídia local, ocupando páginas de jornais de Santos, e levando Frangetto a emissoras de rádio e televisão para dar entrevistas. Isso, porém, não rendeu dinheiro para a produção.

"Foi uma coisa legal na época, e eu esperava atrair a atenção de investimentos, mas nunca atraiu", comenta o programador.

O ex-desenvolvedor queria seguir os passos de Mortal Kombat e ter personagens jogáveis em live-action. Mas isso não era barato: além de toda a parte técnica, que envolvia equipamentos caros, era preciso pagar os atores e o estúdio onde seriam feitas as gravações, motivo pelo qual somente um dos dois personagens da demo é representado por um ator.

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Para financiar o projeto, Frangetto vendeu itens da empresa e até bens próprios.

"A gente vendia as coisas que a gente tinha pra comprar outras, pensando que aquilo um dia daria futuro", disse.

Em certo momento, chegou a uma conclusão: precisava de patrocínio ou não conseguiria continuar. E conseguir investimento no Brasil para um jogo eletrônico na década de 90 parecia um sonho distante.

Primeira parada: TecToy. A empresa, que representava a Sega no Brasil, parecia para a PC System a maneira mais óbvia de viabilizar o restante do desenvolvimento de Brazilian Fighters - afinal, era uma das poucas que trabalhava diretamente com jogos no país, e isso seria uma forma de incentivar a produção nacional.

Mas a realidade foi outra.

"Na TecToy, a pessoa que me atendeu era gerente de produto", relembra. "Ele sentou na cadeira e falou pra mim 'olha, deixa eu começar a conversa dizendo pra vocês que deixei vocês virem aqui porque se um dia vocês fazem sucesso e eu não dei tratamento pra vocês, o meu chefe vai me comer a alma e me mandar embora.'"

"O cara queria saber mais o que eu tava fazendo e não o que ele queria comprar", segundo Frangetto. No fim, o investimento não se concretizou.

O programador também levou Brazilian Fighters à Xuxa Produções e também para a Mauricio de Sousa Produções, que havia trabalhado com a TecToy em Mônica no Castelo do Dragão para o Master System. Nenhuma das empresas, porém, comprou a ideia a ponto de investir dinheiro.

Ao mesmo tempo, Frangetto começou a desenvolver outro jogo, chamado Gabriel na Ilha do Tesouro, um adventure à lá Monkey Island que a princípio teria o Senninha como protagonista.

O desenvolvedor chegou a levar o game ao Instituto Ayrton Senna na esperança de receber investimentos financeiros, e os artistas da entidade até curtiram a ideia. Mas, segundo ele, um representante da família Senna rejeitou a ideia e chegou a ameaçar a PC System de processo por uso indevido de direitos autorais.

Frangetto buscou financiamento até entre parentes, que após o reconhecimento midiático da PC System já não eram tão contrários à ideia de fazer jogos, mas não obteve sucesso.

O triste fim

Depois de uma incansável busca de formas de financiar suas produções, o sonho de lançar um jogo próprio teve seu fim em 1997, quando a PC System foi oficialmente fechada. Endividado e com uma criança por vir, se viu obrigado sair do ramo e deixar para trás sua grande ambição.

"Eu parei a minha paixão, senão eu passava fome. Abria meus armários e não tinha nada pra comer. E minha mulher grávida. Não tinha outra alternativa", explica. "Ela pediu muito pra mim que eu desistisse da ideia do jogo. Eu tinha de colocar comida em casa porque ia nascer o meu filho. Não tinha dinheiro pra nada. Não tinha carro. Não tinha telefone. Devia uma fortuna pra todo mundo."

"Saí falido quando a empresa fechou", complementa Frangetto. "Deu tudo errado."

Depois do fim da PC System, o desenvolvedor frustrado foi trabalhar na indústria farmacêutica como terceirizado em uma empresa na cidade de São Paulo. Desde então, não se envolveu com a produção de jogos.

Em 2008 até chegou receber um convite da Ubisoft para cuidar dos servidores brasileiros da empresa, mas ele rejeitou.

"Não estaria fazendo jogo, estaria fazendo uma outra coisa aí qualquer. Servidores. Eu queria fazer jogos. Roteiro, história, programação", disse. "E ainda quero."

Apesar de tudo, Frangetto ainda mantém seu interesse em videogames, citando Team Fortress 2 e as séries Diablo e Command & Conquer como seus jogos favoritos. E, mesmo vinte anos depois de uma série de frustrações e perrengues com Brazilian Fighters, mantém vivo o sonho de desenvolver games.

"Se eu recebesse um convite para trabalhar com jogos de computador, aceitaria sem pensar duas vezes, com certeza."