O treinador de League of Legends (LoL) Guilherme “Kake” Morais, de 22 anos, foi demitido pelo Flamengo eSports após acusações de assédio sexual — incluindo contra menores de idade — terem vindo à tona na internet. Durante a carreira, o técnico comandou projetos de formação de cyber-atletas e teria usado sua posição de poder para constranger jogadores a enviar fotos deles sem roupas.
As denúncias surgem também durante esta terça-feira (05), quando diversas outras exposições de estupro, assédio sexual e condutas inapropriadas de personalidades do esport brasileiro foram divulgadas; entre elas de MiT (caster de LoL), pancc (jogador de CS:GO) e tinowns (jogador de LoL).
Conforme relatos publicados nas redes sociais, o coach pedia nudes a jovens aspirantes a profissionais, supostamente prejudicando quem não atendia aos pedidos. Seu comportamento inadequado data do período em que esteve na KaBuM, de julho de 2018 a março de 2020, e mesmo antes disso.
Kake havia sido anunciado pelo Flamengo em junho passado, para ser técnico da equipe Academy, que disputará a 2ª divisão do cenário competitivo de LoL do Brasil.
Segundo apurou o The Enemy, a direção do rubro-negro soube de rumores sobre o comportamento do treinador e fez uma investigação na época, mas não chegou a um veredito que impedisse sua contratação. Ele estava com a equipe desde maio, mas só foi oficializado em meados de junho, justamente por conta dessa apuração.
Na investigação, o Flamengo falou com dois jogadores com quem Kake teria tido conversas e comportamentos impróprios, além dos parentes de um deles. O treinador negou veementemente os rumores. Enquanto um deles disse que tudo poderia ter sido um mal entendido, em relação ao outro não havia provas.
Conforme as fontes do The Enemy, Kake tentava se aproximar dos dois jogadores, com uma intimidade exacerbada, que ultrapassaria as atribuições normais de um treinador.
“Era estranho, mas parecia ser algo interpretativo. Não tinham as prints que chegaram hoje”, disse uma fonte ao contar sobre a avaliação de Kake.
O clube do Rio de Janeiro continuou com a contratação do técnico, mas o alertou de que, se surgissem informações mais concretas, o demitiria.
Foi o que aconteceu nesta terça-feira, quando o jogador Marcos “Senshizada” Lacerda, de 18 anos, fez revelações sobre Kake, em meio a uma série de exposições de estupro, assédio sexual e condutas inapropriadas de personalidades do esport brasileiro.
O jovem contou que, na época que tinha 15 anos, recebeu pedidos “descarados” de nudes pelo treinador, com quem fazia parte de um projeto de preparação de jogadores. Diante da recusa, o técnico teria passado a cobrar R$ 100 pela permanência dele nas aulas sobre LoL. Senshizada também expôs os casos de outras pessoas no Twitter.
Em comunicado após as revelações, o Flamengo declarou ter demitido Kake e que “é importante repudiar qualquer tipo de assédio. Não só nos esportes eletrônicos, na sociedade”.
Um jogador profissional que pediu para não ser identificado contou ao The Enemy que, em 2017, quando tinha 17 anos, entrou para o processo seletivo de uma equipe amadora da qual Kake era responsável.
Certo dia, no Team Speak, Kake teria elogiado o jogador e pedido “um diferencial” para que ele se destacasse. O jovem pensou que se tratava de uma melhoria dentro do LoL, mas o treinador teria requisitado uma foto nu para “facilitar” a continuidade dele no projeto.
O jogador riu, por achar que era uma brincadeira, e saiu da sala. Em outra ocasião, porém, Kake teria voltado ao assunto: “Estava faltando aquela fotinho”, teria dito o técnico.
“Me sentia com nojo de mim, insuficiente, um jogador sem capacidade de entrar em um time sem passar por aquele tipo de situação, e aí eu saí. Mandei mensagem pra ele alegando que tinha problemas pessoais, que meus pais queriam que eu parasse de jogar e focasse nos estudos”, relatou o cyber-atleta ao The Enemy.
Ele complementou: “Isso sempre me atormentou por imaginar que o que eu passei muitos outros podem ter passado e que ele era um cara admirado e que estava em um trabalho estável mesmo depois de tudo o que fez”.
Outros jovens que fizeram parte do projeto de formação de cyber-atletas e dos times amadores comandados por Kake relataram, nas redes sociais, situações de abusos psicológico e sexual. Dois deles aceitaram dar entrevista ao The Enemy.
Em setembro de 2018, Kake requisitou fotos a Luiz “sonyy1” Carlos, em um chat particular no Discord. Eles faziam parte do Resilience e-Sports Club, time amador no qual o treinador se dedicou em paralelo ao trabalho na KaBuM.
Sem nenhuma conversa prévia, o técnico escreveu: “Envia nudes” e “um presente pra mim”.
Na época com 20 anos, Sonyy1 enviou uma imagem ironizando, à qual Kake respondeu: “Pedi com educação” e “vou ficar na esperança ainda”.
Sonyy1 contou ao The Enemy que, daí em diante, interrompeu os contatos particulares que tinha com o treinador para pedir orientações sobre LoL. Na mesma época, o jogador estava prometido para entrar em uma equipe que serviria para preparar reservas para a KaBuM, mas acabou sendo preterido.
“Ele continuou com o projeto, mas me tirou do Discord e colocou dois caras para fazerem teste no meu lugar”, declarou Sonyy1 sobre Kake. “Creio que eu não ter entrado no projeto foi consequência de ter negado a foto”.
Raul “rag” Andres integrou o tal projeto no início de 2019. Tratava-se de uma equipe com sete ou oito jogadores, que seriam testados e treinados para serem reservas da KaBuM.
Ele conta que, na época com 16 anos, começou a sofrer abusos psicológicos, com Kake pressionando os jogadores a, entre outras coisas, terminar os namoros para poderem se dedicar mais ao jogo.
Os elogios às performances in-game de rag se transformaram em enaltecimento pessoal, o que começou a incomodar o jogador. “Fofo” e “lindo” teriam sido os adjetivos usados. Em dois momentos, em 14 e 15 de janeiro de 2019, durante conversas individuais, Kake pediu que o adolescente enviasse fotos pelado.
Em conversas por áudio após análises de partidas, com toda a equipe participando, o treinador voltou a requisitar fotos e teria dito: “Para ser aluno meu vocês precisam mandar nude para mim”. Quando os jogadores riram, constrangidos, o técnico teria observado: “Não, é sério, tem que fazer isso mesmo.”
“Ele sempre fez isso. Era passivo e agressivo. Fingia que era brincadeira, mas claramente não era”, disse rag ao The Enemy.
De acordo com o jogador, Kake passou a ficar cada vez mais irritado e, duas semanas depois, deixou o time. “Literalmente nos abandonou”, cravou rag.
Em nota, a KaBuM disse repudiar “qualquer ato de assédio e desrespeito” e sustentou que apura os casos após ser notificada - a nota, no entanto, não esclarece se a organização estava ciente dos então rumores acerca do treinador.
“Apuramos toda e qualquer denúncia, tomando as providências cabíveis, além de auxiliar e orientar jogadores e staff. O profissional citado não faz mais parte da organização há cerca de um ano. A KaBuM! conta com um código de conduta, treinamentos e um canal oficial de denúncias, disponível 24x7. Encorajamos fortemente que as vítimas busquem as autoridades competentes e denunciem formalmente os fatos”, declarou a organização de Limeira (SP).
Já o Flamengo, em resposta ao The Enemy e por meio de seu CEO, Jed Kaplan, comentou o seguinte: "Quando o técnico em questão foi contratado, não encontramos evidências substanciais de qualquer tipo de assédio. Após o que veio a tona durante o dia de hoje e suas ações em equipes passadas, imediatamente o desligamos da organização. Conversaremos com jogadores e staff técnica e de gerência para colhermos informações adicionais. Reforço que qualquer tipo de assédio é inaceitável e nojento".
O The Enemy tentou, mas não conseguiu contato com Kake. O espaço está aberto ao posicionamento dele, que, se enviado, será incluído neste texto. O The Enemy também tentou contato para ampliar o posicionamento da KaBuM e-Sports, mas ainda não obteve resposta.