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Dune II: quando Duna conquistou e revolucionou o mundo dos games

Os videogames já tiveram um Duna 2 — e sem ele, nunca teríamos Warcraft ou Age of Empires

Por Victor Ferreira 27.10.2021 10H10

Na última terça-feira, 26 de outubro, a Legendary Studios confirmou a produção de Duna — Parte 2, filme que continuará a adaptar o clássico livro de ficção científica de Frank Herbert sob a direção de Denis Villeneuve.

Duna 2 está previsto para estrear apenas em 2023. Mais importante, ele me dá uma desculpa para falar de outra obra também conhecida como "Duna 2" — e que conta com uma importância histórica considerável.

Westwood Studios/Divulgação

Dune II: The Building of a Dynasty (ou Battle for Arrakis no Mega Drive), lançado em 1992, não pode ser necessariamente considerado o primeiro título de um gênero, mas foi ele que uniu e codificou muitos dos conceitos e elementos de um tipo de game que passaria a dominar a década: o RTS (Real Time Strategy, o jogo de estratégia em tempo real).

Foi graças a ele que games como Warcraft, Age of Empires e Command & Conquer — desenvolvido pelo mesmo estúdio do game de Duna, o saudoso Westwood Studios — tiveram seu lugar ao sol durante a década de 1990 e até meados dos anos 2000, antes de sua popularidade entrar em decadência.

Apesar do nome, Dune II não é uma sequência narrativa de um jogo ou mesmo uma sequência da narrativa de Frank Herbert — afinal já temos Messias de Duna para isso —, ou mesmo do filme de David Lynch do qual puxa diversas inspirações.

Sting com uma sunga de metal não sendo uma delas

Universal Pictures/Reprodução

No início dos anos 1990, a detentora da licença de Duna para games na época, a Virgin Games, havia recentemente cancelado um adventure game inspirado nos eventos do livro/filme.

Pensando em ideias do que fazer com a licença, a publisher entrou em contato com o Westwood, que na época havia encontrado grande sucesso com o RPG The Eye of the Beholder, que misturava as regras de Dungeons & Dragons com a adrenalina de um combate em tempo real, sem a necessidade de turnos.

O presidente do Westwood, Brett Sperry, queria expandir a ideia de batalhas em tempo real para um âmbito maior, e Duna trazia as circunstâncias para explorar esta ideia.

"O que veio a se tornar Dune II começou com um desafio que fiz para mim mesmo", disse em uma retrospectiva sobre o RTS para o GameSpot. "O desafio era que jogos de estratégia poderiam ser loucamente divertidos se o aspecto de tempo real de Eye of the Beholder pudesse ser combinada com gerenciamento de recursos em uma interface dinâmica e plana. Apenas um modo de jogo e sem telas adicionais. Mas como? Muito antes de decidir de experimentar com construir esse novo jogo na ambientação de Duna, eu já brincava com a resposta."

Os executivos da Virgin trouxeram uma solução em potencial ao mostrar aos desenvolvedores do Westwood um jogo de Mega Drive pouco conhecido, Herzog Zwei, considerado popularmente como o primeiro RTS.

Com isso, Sperry e sua equipe tinham a base, e construíram a partir daí.

Em Dune II, o jogador escolhe entre as Casas Atreides, Harkonnen e Ordo (a última sendo não-canônica no mundo de Herbert), que tem como objetivo tomar controle total dos territórios de Arrakis e expulsar/aniquilar as rivais.

E, nas palavras do Barão Vladimir Harkonnen, "aquele que controla a especiaria, controla o universo", com a especiaria melange sendo o recurso essencial para a tomada de Arrakis. As facções precisam extrair e refinar a substância para assim criar unidades de batalha e enfrentar as forças inimigas.

Isso, é claro, além de lidar com um problema único do planeta Duna: os vermes de areia, que podem aparecer e aniquilar suas forças de uma só vez. Estruturas como bases e refinarias só podem ser construídos em terrenos rochosos, e mesmo assim se deterioram devido aos efeitos do clima inóspito de Arrakis.

De acordo com Sperry em entrevista à revista Edge, em seu estágio inicial a estrutura das partidas era bem tediosa, o que levou a equipe a implementar elementos que passariam a ser essenciais para o gênero.

"Quando jogávamos, o game inteiro acabava em pouquíssimo tempo. Por isso trabalhamos em obstáculos no campo de batalha e mais tarde em dinâmicas de produção, construção de bases e unidades, e o efeito da névoa de guerra", explicou.

Não só isso, o pessoal do Westwood soube aproveitar a licença para diferenciar as Casas não só por elementos estéticos, mas também em termos de gameplay: os Atreides, por exemplo, contam com os Fremen como uma unidade especial de combate; os Ordo, por sua vez, tem os Saboteur, capazes de tomar unidades ou até estruturas inimigas e usá-las a seu favor.

Foi esse conceito que levou à popularização da ideia de que diferentes facções de um jogo de estratégia contariam com suas próprias particularidades, forças e fraquezas.

Os elementos de gameplay não eram necessariamente novos por si só — o próprio Sperry diz que se inspirou em Civilization para as mecânicas de produção de recursos —, mas Dune II era o primeiro a contar com todos eles em um único jogo.

Tudo isso com o diferencial de que não havia uma pausa para repensar sua estratégia, pedindo pensamento rápido e adaptabilidade por parte do jogador.

"Você precisava pensar e responder muito rápido e em tempo real, ou sua base e forças seriam totalmente dominadas", explicou Sperry à Edge. "E no decorrer do desenvolvimento do jogo, tornou-se mais claro como o ritmo e o design do cenário de batalha eram todos parte de um equilíbrio delicado."

E por que diabos o jogo foi nomeado como uma sequência? Bom, acontece que o suposto jogo cancelado de Duna, um adventure do estúdio francês Cryo Interactive, não estava tão cancelado como se imaginava, e logo chegou às lojas como Dune.

Cryo Interactive/Reprodução

Pouco tempo depois, Dune II: The Building of a Dynasty — um título de um estúdio e gênero completamente diferente de seu predecessor — também chegou às prateleiras, e logo suplantou seu "predecessor".

Dois anos depois, em 1994, a Blizzard Entertainment lançou Warcraft: Orcs & Humans, que expandiu alguns dos conceitos de Dune II. Um ano depois, o próprio Westwood usou do molde de seu jogo anterior para um novo título original, Command & Conquer, e logo o gênero explodiu de popularidade.

Não só isso, o estúdio continuou fazendo jogos baseados na obra de Herbert e Lynch: em 1998, o Westwood lançou Dune 2000, um remake de Dune II com melhorias gráficas e elementos de gameplay, e com direito a cenas em FMV, algo pelo que o Westwood ganhou fama/infâmia com C&C.

Dune 2000 foi seguido por Emperor: Battle for Dune, de 2001, que na época do lançamento foi criticado por trazer um modelo "mais do mesmo" dos jogos do Westwood.

Infelizmente, esse mais do mesmo acabou por desaparecer pouco tempo depois: em 2003 o Westwood Studios fechou as portas, mais uma produtora vítima da insaciável vontade da Electronic Arts de matar as empresas que adquiriu poucos anos antes.

Desde então, Duna nunca teve uma adaptação de tanto sucesso nos games, embora a publisher Funcom tenha fechado um acordo com a Legendary para a produção de jogos inspirados nos filmes de Denis Villeneuve, o que pode ou não render bons frutos no futuro próximo.

Mas a verdade é que a obra de Frank Herbert já teve um impacto direto e extremamente influente na indústria, servindo de palco para a consolidação de um tipo de jogo que conquistou o mundo, mesmo que por um breve período.

Com o tempo, o RTS também perdeu seu espaço entre os jogos mais populares do mercado. Mas quem sabe, com a remasterização de Command & Conquer e Age of Empires IV conquistando um bom público, ele — e até jogos do tipo inspirados em Duna — não alcance ao menos um pouco da sua glória passada.

... Há uma referência ao Caminho Dourado aqui, mas (apropriadamente?) não consigo encontrá-lo.