Uncharted 4: A Thief's End entrega todas as promessas. O carisma dos personagens, os diálogos rápidos e inteligentes, as sequências de ação de tirar o fôlego e uma narrativa digna dos melhores blockbusters de Hollywood. Se comparado a qualquer outro game da atual geração, o título parece estar alguns anos à frente em termos gráficos. Nada é tão bonito quanto ele.

O diferencial do novo trabalho da Naughty Dog, porém, não está na parte técnica. A potência do PlayStation 4 é usada com maestria, mas é a humanidade por trás das personagens que tornam o título especial. Entre alguns tiros e escaladas, o que se leva depois das 12 horas de campanha é a relação entre os protagonistas - e não fosse pelo roteiro de Neil Druckmann, Tom Bissell e John Scherr, esta seria somente outra boa aventura de Nathan Drake.

Uma boa história e ótimos personagens

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Sem entregar as supresas, pode-se dizer que a história de A Thief's End começa com um Drake aposentado. Longe de cidades perdidas ou tesouros escondidos, ele está casado com Elena e com um emprego burocrático. Fica claro que aquela não é a vida que ele gostaria de levar, mas por questões de prioridades decide seguir a rotina. O ressurgimento do irmão de Nathan altera o cenário por completo. Para se salvar das mãos de alguns mafiosos, Sam Drake precisa encontrar o gigantesco tesouro do pirata Henry Avery e pede ajuda ao caçula.

Sam é o estereótipo do irmão mais velho rebelde. A confiança na fala se confunde com as frases cheias de ideias confusas e afirmações vagas - ele é o clássico anti-herói de um filme de ação, dotado de mentiras sinceras e desculpas bem elaboradas. Sam é um cara obcecado pelos seus objetivos, mas com um coração bom por trás da lábia de ladrão. O trabalho de dublagem de Troy Baker ajuda a construir essa persona (a versão brasileira é boa, mas jogar em inglês ainda é a melhor opção), que é essencial para a evolução da história, pois as manias de Sam compõem o cerne de Uncharted 4 e são o contra-ponto perfeito para o bom mocismo de Nathan.

Tão importante quanto a personalidade de Sam é a relação entre ele e o irmão. Ao invés de construir esse laço somente nos diálogos no meio de missões, algo tradicional nos jogos da Naughty Dog, Uncharted 4 transporta o jogador para momentos diversos na vida de Nathan e Sam. O passado de ambos é mostrado em recortes feitos para impactar o jogador de maneiras bem específicas: a infância e o início da vida adulta.

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No primeiro, cria-se a aproximação por admiração, no segundo por necessidade e circunstância. Os flashbacks acontecem mais de uma vez e quando os últimos começam a aparecer, as revelações são tão impactantes quanto o desfecho do jogo em si. O terceiro ato de A Thief's End é grandioso, com explosões e cenários belíssimos, mas o impacto maior está nos desdobramentos na vida de Nathan e Sam. As resoluções não fogem do padrão, nem reiventam a roda, mas são apresentadas com maestria por um roteiro sutil e econômico, que não subestima a inteligência de quem passou algumas horas jogando.

O outro fio que conduz o game é o casamento de Nathan e Elena. A leveza com que o relacionamento é mostrado faz com que a conexão com o casal seja automática. A primeira vez que a casa deles é mostrada, o jogador é encaminhado a conhecer os cômodos e automaticamente descobrir mais sobre a vida de ambos. Fotos, histórias, cartas e outros detalhes do cotidiano são mostrados em poucos minutos, por meio de uma exploração básica de cenário.

As informações são suficiente para que exista uma conexão jogador e protagonista na primeira discussão de relacionamento dos dois. E ao longo da aventura, em todos os momentos que a ligação entre Nathan e Elena é ressaltada, o roteiro se nega a relembrar os acontecimentos passados - o sentimento de afeição entre os dois é algo intrínseco e honesto desde o primeiro momento. Importante notar também que todo este escopo do casamento é levado até os últimos minutos de jogo, pois o epílogo representa bem a evolução do relacionamento do casal.

Um lugar mais bonito que o outro

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O texto é o maior trunfo de Uncharted 4, mas todas as linhas escritas por Druckmann e cia. são potencializadas por um trabalho gráfico primoroso. As expressões faciais dos personagens são assustadoramente realistas, especialmente a de Nathan. Os cenários seguem o mesmo nível de excelência e se diferenciam pela variedade - florestas tropicais, catacumbas, cavernas com lagos, ilhas e cidades históricas. Libertalia e as florestas de Madasgacar são dois exemplos de ambientes que englobam bem a complexidade da construção de cenários proposta pelo game.

No primeiro, a cidade perdida dos piratas, o clima se altera em poucas horas e afeta quase todo o ambiente. Um mesmo cenário pode ser modificado pelo menos duas vezes na mesma missão. Com isso, a floresta super verde e ensolarada se torna uma redoma escura e perigosa com uma chuva forte. Em Madagascar, o contraste entre o vermelho do deserto e as cores vivas das árvores é o maior destaque. É admirável que a Naughty Dog ainda consiga diversificar neste aspecto, mesmo que tenha explorado quase todas as possibilidade nos três jogos anteriores.

Toda esta variedade só foi possível pelo aumento sensível que a desenvolvedora no tamanho dos mapas. A sensação que se tem muitas vezes é que a linearidade típica de Uncharted foi deixada um pouco de lado, tamanha a gama de opções para seguir em frente. Claro que o ponto de partida e o ponto final são um só; mas os caminhos para chegar até lá podem ser bem diferentes, tanto em termos de distância quanto de abordagem. Se há um grupo de cinco inimigos, por exemplo, é possível escolher entre um tiroteio, uma chegada furtiva ou mesmo uma fuga rápida - esta última sempre parece a mais simples, pois a IA adversária não é das mais avançadas.

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Nos combates, a franquia tem mudanças sutis. O sistema de tiros continua parecido, mas agora com uma maior variedade de armas. A luta corpo a corpo é que parece ter parado no tempo. Apesar de incluir alguns takedowns aéreos ou em coberturas, a resposta dos comandos ainda é falha - em tempos de combates como o de Batman: Arkham, por exemplo, é de se esperar mais de um game como Uncharted.

Por outro lado, a Naughty Dog avançou bem no quesito plataforma. Diversas missões de A Thief's End são voltadas só para exploração de cenário e puzzles, e é raro alguma delas deixar o jogador cansado, pois ali há desafios na medida certa - e muito distintos entre si, pois até com os veículos há bons quebra-cabeças para se resolver. E ao invés de só colocar Drake para pular ou escalar, agora existe uma corda para incrementar essa exploração de cenário. Ainda que seja um jogo em 3D e com gráficos super avançados, alguns momentos de Uncharted 4 lembram (da melhor maneira possível) clássicos títulos de plataforma como Prince of Persia e Super Mario.

Uma mistura de conceitos

Ainda é um deleite jogar Uncharted. A fluidez com que os capítulos avançam e como a história é contada fazem a experiência ser ainda mais prazerosa. É evidente que o roteiro parte de um mistério tradicional e é recheado por personagens com modelos básicos (vilão, alívio cômico, par romântico, anti-herói), mas em nenhum momento isso incomoda ou se torna nocivo para a narrativa.

Uncharted 4: A Thief's End não traz inovações em mecânicas ou refaz o jeito de se ver um jogo de ação em terceira pessoa, mas entrega um nível de diversão raro na atual geração de consoles. Diferente mesmo é a forma como o enredo sugere a conexão entre jogador e personagem. Uncharted usa de uma narrativa baseada em vivências e gameplays pontuais para tornar as relações apresentadas relevantes.

A Naughty Dog deixa claro que aprendeu muito com The Last of Us e mais ainda com a aproximação personagem/jogador criada em jogos da Telltale, como The Walking Dead, e outras empresas da mesma vertente. Ver este tipo de preocupação, tão rara em grandes produções, é admirável por si e fica ainda mais importante quando ela traz junto uma avalanche de sequências de ação que não sairão da cabeça do jogador por um bom tempo.

Uncharted 4: A Thief's End é exclusivo de PlayStation 4. Veja o preço do game (versão digital) clicando aqui.

Nota do crítico