Desde a virada da década, temos visto mais e mais jogos que, de alguma forma ou outra, trabalham na fórmula de exploração não-linear em primeira pessoa. Um dos pioneiros do gênero foi Gone Home, o espetacular indie lançado em 2013 pela Fullbright. De lá pra cá, alguns games expandiram a ideia, como The Vanishing of Ethan Carter, enquanto outros ajudaram a criar o infeliz apelido de "walking simulators".

Agora, quatro anos depois, o designer veterano Steve Gaynor e sua equipe finalmente têm um título novo para mostrar, e como um dos nomes mais importantes nesse segmento do mercado, eles automaticamente recebem a pressão de ter que fugir do óbvio. Gone Home saiu em 2013. De lá para cá, não faltaram games de exploração como este. A Fullbright tem algo para adicionar ao gênero, ou o timing já ficou para trás? 

Tacoma começa em 2088, com sua protagonista (Amy) chegando na estação que dá nome ao jogo. Sua missão é entender o que aconteceu na base, que agora está abandonada, e resgatar arquivos confidenciais para sua empregadora, a companhia multibilionária Venturis, que instalou uma inteligência artificial de ponta chamada ODIN no local. Por meio de gravações tri-dimensionais em realidade aumentada, Amy acompanha os acontecimentos das últimas 72 horas, vendo como a tripulação lidou com uma situação inesperada.

Tacoma
Fullbright

Na chegada, somos apresentados aos seis personagens que nos acompanharão pelas próximas horas. E.V. St James (capitã), Sareh (médica), Roberta (engenheira), Clive (gerente de operações), Andrew (botânico) e Nat (programadora). Todos eles (e ODIN), dublados de forma impecável por elenco que traz à vida as ótimas linhas de diálogo escritas para o jogo.

Nota: Tacoma tem menu e legendas em português, mas o áudio só está disponível em inglês.

Se eu estou sendo muito vago, saiba que é proposital. Assim como Gone Home, Tacoma é um jogo que é melhor aproveitado quando você não sabe nada sobre ele. Eu tive a oportunidade de testá-lo num evento em 2015, mas de lá pra cá a Fullbright fez, basicamente, um reboot interno, jogando fora algumas mecânicas (a versão inicial tinha botas de gravidade, permitindo que o teto virasse o chão quando você bem entendesse) e apostando dobrado em outros elementos.

Tacoma é um jogo que é melhor aproveitado quando você não sabe nada sobre ele

Sabendo do talento da Fullbright, evitei ao máximo ver trailers ou entrar em contato com notícias do jogo, e é preciso passar essa recomendação adiante. O núcleo de Tacoma é, sem dúvida, sua história. O enredo não trabalha baseado em reviravoltas, mas há surpresas escondidas em todo canto. O verdadeiro foco do roteiro está nos seis personagens que habitam na estação. Além das dinâmicas que existem entre eles - alguns se amam, outros se toleram - cada um tem problemas e fantasmas externos para lidar, seja por conta de fatores como romance, dinheiro ou o passado.

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Cada personagem traz com si um ponto de vista diferente. A Fullbright fez questão de colocar pessoas totalmente diferentes - em sua sexualidade, raça, nacionalidade e até físico - em Tacoma, mas nada disso faria diferença se eles não tivessem uma diversidade de personalidade. Felizmente, os membros da tripulação trazem vozes e ideias diferentes para o jogo. Quando algo inesperado acontece, ou uma conversa com tópicos mais pesados se desenrola, os astronautas da estação reagem de formas diferentes, seja tendo ataques de ansiedade ou se desligando o máximo possível das emoções, mas todas elas são totalmente humanas.

As interações entre todos eles são representadas com hologramas 3D que se locomovem pela estação assim como você. Quando Amy usa a tecnologia de realidade aumentada de Tacoma para recriar uma cena, o jogador ganha a possibilidade de pausar, rebobinar e acelerar o que está vendo. É possível que os seis astronautas comecem um diálogo no mesmo local, mas se dividam em duplas e prossigam para diferentes salas. Cabe ao jogador usar as mecânicas disponíveis para acompanhar os "fantasmas digitais" de cada personagem que quiser. Se você é como eu, vai fazer questão de assistir as gravações múltiplas vezes, sempre de um ponto de vista diferente, para poder ter a visão completa do que está acontecendo.

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Coisas como e-mails, senhas e chaves, elementos já esperados em jogos de exploração em primeira pessoa, estão firmes e fortes em Tacoma, mas a sacada da Fullbright foi não depender dessas coisas para contar a história principal. A locomoção em 3D dos hologramas é, de fato, uma simples forma mais colorida de substituir diários de áudio, mas o fato de modelos 3D dos personagens existirem no mesmo espaço geográfico que você significa que os desenvolvedores podem utilizar linguagem corporal e outros elementos visuais na hora de contextualizar uma cena ou comportamento.

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Os clichés do gênero, os supramencionados e-mails e senhas, estão presentes como uma forma de contextualizar o mundo além das paredes da estação espacial. Não faltam computadores pessoas ou mesas de trabalho para serem acessados e explorados. Durante minhas três horas em Tacoma, fiz questão de, pelo menos, ler as comunicações dos seis protagonistas entre si, e com o mundo afora. Além de construir uma imagem mais completa da personalidade de cada um, isso foi o suficiente para compreender algumas peculiaridades da Terra no fim do século 21 que a Fullbright apresenta no jogo.

Você pode, claro, explorar menos ou mais, a Fullbright estima que, dependendo do quanto você buscar, o jogo pode ser zerado entre 2 e 5 horas. Eu vi pelo menos duas ou três fechaduras que não consegui abrir ao fim da campanha. Entretanto, ler e-mails, revistas e panfletos vai dar boas recompensas aos curiosos. Há revelações feitas na reta final do jogo que foram plantadas pelos desenvolvedores através de itens que encontrei nas primeiras áreas da estação espacial. Coisas que, à primeira vista, parecem apenas ajudar a construir o mundo no qual estamos, se conectam ao que está acontecendo de maneiras inesperadas e criativas.

Talvez a maior decepção de Tacoma seja o fato de que, enquanto essa exploração acontece no ritmo que o jogador bem desejar, o progresso da história é mais linear do que o desejado. Se em Gone Home você podia escolher entre partir para o primeiro andar da casa ou ir para o corredor à esquerda no primeiro minuto em que você pisou na residência onde aquele jogo se passa, aqui a Fullbright segura um pouco mais a mão do jogador. Há uma rota clara que Amy deve seguir, e algumas portas só serão desbloqueadas depois que as cenas pré-determinadas pelos desenvolvedores forem vistas. Sim, cada uma das áreas para onde você é guiado tem dois ou três quartos que podem ser investigados a bel-prazer, na ordem que você bem desejar, mas o escopo maior do enredo tem um começo, meio e fim claramente estabelecidos.

Quanto mais você explorar a estação, maior será o seu sorriso quando os créditos finais começarem

Isso tudo é quase justificado ao fim da narrativa. A Fullbright utiliza diversos recursos do suspense para mover as peças da história de Tacoma, e os frutos dessa estratégia se abrem na reta final do jogo. É uma conclusão que, para alguns, pode ser um pouco frustrante. Tacoma esconde coisas tanto de Amy quanto do jogador em si, mas eu suspeito que quanto mais você explorar a estação, maior será o seu sorriso quando os créditos finais começarem.

Mas eu já estou falando demais. Ignore trailers. Evite spoilers. Tacoma vale a pena.

Nota do crítico