Há muito tempo que o WhatsApp deixou de ser um simples aplicativo de troca de mensagens de texto para se tornar uma ferramenta poderosa de compartilhamento de informações, arquivos e mídia. 

Em alguns países, a utilização do serviço continua a evoluir e se transformar, tornando agora o WhatsApp um veículo importante para outro hábito do nosso cotidiano: o consumo de notícias. Entre estes países, está o Brasil, onde o aplicativo contabiliza mais de 120 milhões de usuários ativos. 

O que aponta a tendência é o Digital News Report 2017, edição deste ano do tradicional estudo feito pelo Instituto Reuters para o Estudo de Jornalismo que estabelece um panorama sobre o consumo global de notícias em diferentes países. 

Nesta edição, o levantamento indicou que 46% dos respondentes brasileiros apontaram que já usam o WhatsApp como meio de compartilhar ou ler notícias no dia-a-dia. O resultado representou um crescimento de 7% em relação ao estudo do ano anterior e é rivalizado apenas pela Tailândia, onde 51% dos entrevistados indicaram que usam o app para este fim.

A plataforma líder para o consumo de notícias continua sendo o Facebook, usada por 57% dos brasileiros respondentes, mas, segundo o relatório, dois motivos explicam o crescimento do WhatsApp: a privacidade, já que usuários podem compartilhar notícias com um ou mais contatos em um ambiente fechado e protegido por criptografia, e a ausência algoritmos de filtragem de conteúdo, que, no caso do Facebook, acabam por escolher tudo o que o usuário vai ver – ou deixar de ver – em sua timeline. 

Brasil só fica atrás da Tailândia no número de respondentes da pesquisa que informam usar o WhatsApp para leitura e compartilhamento de notícias

Reprodução/Getty Images

A maior parte do uso de aplicativos de mensagens para notícias está acontecendo atualmente na Ásia e na América Latina", aponta o relatório. "[Estes apps permitem] mensagens fechadas e privadas e também permitem aos usuários compartilharem sem medo de constrangimento. O preço também é um fator, com o uso gratuito do WhatsApp frequentemente agrupado em contratos de telefonia”. 

Áudios, vídeos, correntes e fake news 

As próprias características do WhatsApp que têm motivado o seu crescimento como veículo de distribuição e consumo de notícias, no entanto, levantam alguns questionamentos sobre o possível impacto que o app pode ter nesse hábito. 

Enxurrada de notícias falsas que afetaram o Facebook durante eleições americanas podem também atingir o WhatsApp, que desde 2014 pertence à gigante de Mark Zuckerberg

Reuters/Brian Snyder

As pessoas tendem a pensar menos para compartilhar uma notícia no WhatsApp do que no Facebook. No modo geral, o Facebook tem algumas filtragens, enquanto, no WhatsApp, isso é feito de modo automático”, avalia Rafael Grohmann, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). “Ainda não há elementos de uma pesquisa acadêmica sobre isso, mas há algumas pistas que a própria lógica do aplicativo nos ajuda a direcionar”. 

Como o próprio relatório indica, as conversas privadas libertam usuários para o compartilhamento de conteúdo livres do “constrangimento” ao qual poderiam estar expostos caso os postarem em redes sociais abertas. E aqui, é claro, podemos incluir vários tipos de conteúdo: desde os gifs toscos brilhantes de bom dia que você recebe no grupo de família até questões mais sérias – como notícias vindas de fontes duvidosas ou correntes de áudio com algum tipo de teoria da conspiração. 

Alguns conteúdos que chegam até o público, sejam depoimentos de áudio ou vídeo, são conteúdos que são recebidos pelo público geral com caráter noticioso, embora eles não tenham sido produzidos por um veículo de comunicação”, explica Ana Brambilla, jornalista e professora da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. “Com isso, a gente pode entender um cenário em que pós-verdade e fake news podem ganhar um grande terreno”. 

Desde o ano passado, o fenômeno das fake news tem se tornado pauta importante nas redes sociais, principalmente durante o processo eleitoral dos Estados Unidos, quando a radicalização do debate público levou ao compartilhamento de uma enxurrada de notícias falsas por usuários que tentavam desqualificar os candidatos dos dois lados da disputa.

O problema se voltou contra as próprias redes sociais como Facebook e Twitter, que se viram obrigadas a desenvolver novas ferramentas na tentativa interromper o uso de suas plataformas como trampolim para a divulgação deste conteúdo fake.

As pessoas tendem a pensar menos para compartilhar uma notícia no WhatsApp do que no Facebook

Para o WhatsApp, no entanto, o fenômeno não pode ser combatido tão diretamente. As conversas privadas e criptografadas entre os usuários do aplicativo são importantes, mas têm o potencial de se tornarem plataformas de divulgação de conteúdo falso sem qualquer tipo de limitação tecnológica ou checagem de fatos. 

The Enemy entrou em contato com o WhatsApp para questionar a empresa sobre o tema, mas a companhia não quis se posicionar.

No exterior, o problema já tem motivado ações de alguns órgãos. Um exemplo é o site colombiano de notícias La Silla Vacía, que lançou seu próprio “Detector de WhatsApp”, um serviço que tem como objetivo verificar a veracidade de informações divulgadas em correntes dentro do aplicativo. O serviço começou a ser operado em janeiro e permite que qualquer leitor envie uma corrente recebida por WhatsApp à publicação para tê-la identificada como verdadeira ou falsa.

Já no Brasil, a prova de fogo para o WhatsApp deve chegar no ano que vem, quando a discussão e tensões políticas devem se elevar de novo durante as eleições e desafiar o aplicativo – e outras redes sociais – a enfrentar o problema. “Mas no fim, isso não vai ser algo que dependerá só de ações das empresas ou de veículos, mas do próprio leitor”, comenta Ana.