Existem muito jogos excelentes no mercado, mas poucos que podem ser chamados de obras-primas dos videogames. Okami, desenvolvido pelo Clover Studios para o PlayStation 2 e distribuído pela Capcom, é um deles.

Jogadores que buscam nos consoles algo mais que a pancadaria de sempre devem se surpreender com o roteiro. A história elíptica, baseada na mitologia japonesa, faz referência a feitos heróicos ocorridos há um século, quando um poderoso guerreiro e um lobo divino venceram um dragão de sete cabeças. Logo na abertura, somos apresentados a uma figura sombria, que arranca a espada que venceu o monstro de seu receptáculo, liberando novamente o mal sobre a Terra. Com isso, Amaterasu, Deusa do Sol, retorna na forma de uma loba com a missão de eliminar a criatura e restaurar a natureza envenenada.

Em seu caminho, como em qualquer RPG decente, Amaterasu encontra personagens diversos. Mas em Okami a maioria deles não é mero início de missões - quase todos têm relevância na história e alguns estão entre os melhores personagens não-jogadores já criados. É o caso de Susano, beberrão apaixonado e herdeiro do grande guerreiro que venceu o dragão há um século. Desacreditado na cidade, ele vive alardeando sua força e habilidades (ambas inexistentes), sempre à sombra do antepassado famoso. Cabe então a Amaterasu trabalhar a auto-estima do homem, ajudando-o em situações de perigo sem que ele saiba - como um bom Deus deve fazer. Sua redenção, lá pelas 20 horas de jogo (ele é bastante longo), é memorável e emocionante.

Aliás, esse aspecto divino do game é muito bem resolvido pelos criadores. Os poderes de Amaterasu não ocorrem no mundo físico, mas num plano paralelo. Para empregá-los, na forma de um pincel celestial que literalmente pinta o mundo, é necessário quase que pausar o jogo, planificando a tela em uma folha de pergaminho. Cada tipo de traço ali ilustrado tem uma função: há como criar fogo, plantas, fazer árvores brotarem, comandar os ventos, cortar coisas, etc.

Trata-se de inteligentíssima metalinguagem, já que o próprio game parece uma pintura em movimento, toda em traços inspirados na arte japonesa. É como se cada elemento fosse desenhado com pincel de bambu. Lindíssimo e inusitado. As interações gráficas da deusa lupina também respondem por momentos de rara beleza nos games, como quando ele faz girar uma galáxia espiralada para, no reflexo abaixo no oceano, criar um redemoinho.

Os elementos clássicos dos RPGs também estão todos presentes. É possível aprimorar a personagem de várias formas. Conforme Amaterasu alimenta animais famintos, purifica a natureza ou auxilia os humanos em uma série de missões paralelas, ela ganha adoração. Nada mais justo, afinal, pessoa alguma desconfia que é aquele animal que os está auxiliando, creditando suas fortunas a Deus (não raro eles olham assombrados pra cima quando a loba faz qualquer coisa com o ambiente). Essa adoração pode ser convertida em melhorias, como mais nanquim para o pincel celestial, ou mais vida. Cada arma encontrada também pode ser equipada de várias maneiras, tornando assim cada Amaterasu única. A combinação de técnicas de pintura com espadas e armas é também indispensável para cada tipo de criatura encontrada.

Há quem reclame que os combates são fáceis demais, realmente são, mas isso muda radicalmente no final do game, quando surgem oponentes mais valorosos. Outro elemento frequentemente apontado pelos fãs como um ponto fraco do game é o diminuto parceiro de Amaterasu, o artista andarilho Issun, que estraga alguns quebra-cabeças, explicando como eles funcionam antes de qualquer tentativa. De qualquer maneira, o equilíbrio entre lutas, missões e a necessidade de explorar os enormes mapas em busca de tesouros escondidos e outros itens especiais é perfeito. Nunca há grandes períodos de repetição e a sensação de liberdade dentro do jogo é constante.

A reunião de narrativa elaborada, jogabilidade inovadora e beleza plástica alcançada em Okami só pode ter uma ajudinha dos deuses dos games... não deixe de adorá-los, portanto. Quem sabe não saem mais jogos assim?