Mais um distrito escolar dos Estados Unidos vai decidir se a série Harry Potter deve ou não ser banida das bibliotecas escolares. Laura Mallory, mãe de três alunos da J. C. Magill Elementary, em Loganville, pediu ao conselho escolar que retire a série das bibliotecas escolares de todo o condado de Gwinnett.

Esta é a segunda vez que Mallory solicita a proibição dos livros de JK Rowling. Em setembro passado, ela alegou que os livros glorificam a bruxaria. O novo pedido foi feito porque a senhora Mallory se diz ofendida pelas descrições de atividade demoníaca. Em sua opinião, Harry é um garoto que rouba, engana e mente sem ser punido, e as crianças deveriam ler livros que ensinam boa moral. Tudo se resume, no entanto, à declaração de Mallory de que sua visão religiosa pessoal não concorda com os livros, já que ela mesma diz nunca ter lido nenhum dos seis volumes por inteiro. Suas acusações nasceram da leitura de alguns trechos apenas. Talvez por isso ela não tenha percebido que o cerne da história é justamente a luta do bem contra o mal e em nenhum momento demônios aparecem entre os personagens.

Harry Potter não é a única vítima da preocupação dos pais nos Estados Unidos que parecem achar que isolar os filhos do resto do mundo é essencial à formação de seu caráter. A American Library Association promove anualmente a Read A Banned Book Week (Semana de Leitura de um Livro Banido). Entre os títulos cuja presença nas bibliotecas escolares e públicas foi ameaçada estão As Aventuras de Huckeberry Finn, O Senhor das Moscas, O Apanhador no Campo de Centeio e Ponte para Terabitia.

Retirar um livro das bibliotecas, no entanto, pode não ser tão simples. Em 1976 uma lista de onze livros foi removida pelo conselho do Island Trees Union Free School District sob a alegação de serem anti-americanos, anti-cristãos, anti-semitas e indecentes. Inconformado, um estudante de 17 anos, Steven Pico, e quatro amigos entre 14 e 16 anos entraram com uma ação na justiça federal. O conselho escolar venceu na primeira instância e perdeu na segunda. O conselho solicitou, então, que o caso fosse levado à Suprema Corte, que concordou em examinar o caso. Em 1982 a Suprema Corte decidiu que o conselho escolar não podia restringir o acesso aos livros apenas porque seus membros discordavam das idéias e conteúdos dos volumes. Na visão da Suprema Corte, a retirada dos livros infringia a Primeira Emenda da Constituição por ter sido motivada apenas pelo desejo de negar aos estudantes acesso a idéias com a qual o conselho escolar discordava. Entre os livros envolvidos no caso estavam Matadouro Cinco, de Kurt Vonnegut Jr e O Macaco Nu, de Desmond Morris.

Para a maioria dos professores e bibliotecários a questão resume-se à necessidade dos pais de acompanharem o que os filhos estão lendo e verificarem o efeito do texto sobre suas crianças e adolescentes. Algumas escolas resolvem o conflito indicando títulos alternativos quando os pais mostram preocupação com o conteúdo de volumes como Amada, de Toni Morrison. O contexto histórico em que o autor viveu e escreveu também é importante para que os alunos possam compreender o que estão lendo.

É preciso, também, reconhecer o efeito limitado da retirada de um livro da biblioteca escolar quando nem todos os pais concordam com a proibição e o assunto envolve uma série como Harry Potter, com milhões de volumes disponíveis em praticamente todos os lugares. Os partidários das proibições também esquecem um elemento fundamental da personalidade humana: tudo o que é proibido é mais gostoso.