Neuromancer - William Gibson
5 ovos!

Aproveitando o relançamento no Brasil do romance Neuromancer, o Omelete apresenta esse verdadeiro clássico da ficção científica aos leitores mais jovens, que tomaram contato com o gênero cyberpunk apenas com a recente trilogia Matrix. Ou você achou que os Wachowski inventaram tudo aquilo do nada? ;-)

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Década incrível a de 80.

Tão incrível que o ritual de celebração/revival/exumação a que ela é submetida atravessou grande parte dos anos 90 e prossegue alucinado e saudável neste início de século XXI. Este retorno ocorre para deleite de muitos. Uma enorme multidão se acotovela nas pistas de dança das noites dos anos 80 e se delicia em revisitar as modas que infestavam aqueles tempos, eles próprios pródigos em resgatar elementos de décadas anteriores. Enfim, foi um turbilhão do pós-moderno.

Mas qual a relação de tudo isso com o livro paradigmático do cyberpunk, cujo título comparece ali em cima? Realmente, onde devemos nos colocar no meio do vaivém de idéias, informações, hábitos e bits?

Vamos lá.

Um dos elementos que tornaram os anos 80 únicos, impagáveis, foi a consagração dos jornalistas que escreviam (escrevem) nos cadernos de (in)cultura dos grandes jornais. Pois foi no transcorrer dessa década que os resenhadores e colunistas de arte e cultura ganharam em definitivo o status de aqueles que sabem distinguir o elevado e o vulgar. Tomaram de assalto a glamourosa (e duvidosa) honra de serem os que, antenados com os grandes centros mundiais, detêm o poder de definir o que já era e o que deveria imperar, qual a próxima grande coisa e o que deveria ser desprezado por não combinar com uma cultura de perpétua adolescência.

Tais práticas, ridículas quando empregadas por sujeitos um tanto velhuscos, conferiram aura de obra-prima a criações que foram esquecidas um par de anos depois. Pior ainda, misturadas a idéias tacanhas e estreiteza de pensamento - burrice, para ser exato -, trataram obras ricas de modo simplista, colando a elas rótulos que apagavas suas nuances, por meio de análises pueris.

Neuromancer de William Gibson, talvez o mais importante romance da ficção científica cyberpunk, foi (e ainda é) vítima dessa criação de monumentos tortos, que, ao contrário da música pop, dos anos 80, não precisou de ressurreições: sempre esteve na ordem do dia.

Editado pela primeira vez no agora distante 1984, Neuromancer chegou ao Brasil sete anos depois, via editora Aleph, como parte de uma coleção de ficção científica que tentou renovar a oferta do gênero nas livrarias brasileiras, publicando Orson Scott Card, um romance de André Carneiro e outros.

O foguetório da imprensa foi memorável, para não dizer divertido; os culturetes dos grandes jornais repetiram como papagaios as frases que acompanharam o surgimento e a ascensão do cyberpunk no Estados Unidos: a ficção científica finalmente alcança o mundo real, a realidade do fim de século na ficção científica e que tais.

E teriam essas criaturas inventado ou distorcido algo? Não, pois eram essas as intenções declaradas de Gibson, Bruce Sterling, John Shirley e os demais do núcleo original do gênero.

O que eles, jornalistas, cometeram foi um simplismo, que condenou o romance de Gibson a um papel que não faz jus a suas riquezas e limitações. Por preguiça ou incapacidade, relegaram-no às funções de manual profético-técnico das maravilhas que a informática traria ao cotidiano e de retrato da frenética loucura do mundo urbano-industrial.

Neuromancer pouco envelheceu, continua fascinante.

Para aqueles que viveram os (nos) anos 80 e alcançaram o aqui e agora, o cenário de sua trama, um mundo de pesadelos aliviados por prazeres destrutivos, pega muito fundo e pesado.

Gibson intuiu com perfeição o que seria uma cultura reduzida à satisfação barata e um presente contínuo que rejeita passado e futuro.