Os corredores são estreitos e escuros. O cenário é um misto de conflito, bagunça e abandono: paredes destroçadas, coisas largadas em cima dos móveis, sujeira e mofo por todo o lugar. Por onde quer que você ande, há sempre um barulho, vindo de cima, de baixo, dos lados, ou - o pior de todos - atrás de você. Se um jogo de terror de sobrevivência é definido por sua atmosfera de tensão, Resident Evil 7: biohazard o faz como poucos.

E melhor: o faz sem deixar de lado a essência do que conhecemos como um dos maiores nomes do terror da história dos games. É importante dizer isto, já que o título propõe uma reinvenção completa da franquia em termos de gameplay, adotando, pela primeira vez em entradas principais (excluindo derivados), uma visão em primeira pessoa - algo corriqueiro em uma era pós-Amnesia/Outlast/P.T.

Mas isso pouco importa. Quanto mais se joga Resident Evil 7, mais se percebe que ele é um Resident Evil, ainda que tudo, em um primeiro momento, pareça novo. O jogo se introduz quase como um reboot da série, escondendo possíveis laços com o que aconteceu em seis títulos anteriores.

A começar pelo protagonista inédito, Ethan Winters, que recebe uma mensagem de sua esposa, Mia, há três anos desaparecida, pedindo que a busque na casa dos Bakers, uma família residente na área pantanosa de Dulvey, Louisiana que está abandonada e têm sido apontada como local de desaparecimento de dezenas de pessoas ao longo dos anos.

Logo de cara, a casa dos Bakers é talvez o ponto mais alto de Resident Evil 7. À semelhança da icônica mansão Spencer, o palco do primeiro RE, o local exala medo já em seu portão de entrada, com uma identidade própria e rapidamente reconhecível. Da já marcante mesa de jantar repleta de entranhas a outros cenários igualmente asquerosos, a residência é um personagem por si só, repleta de segredos, mistérios e surpresas.

Não há como construir uma boa atmosfera de tensão sem deixar o jogador, o tempo todo, alerta e temeroso do que vem adiante. Neste ponto, Resident Evil 7 o faz com escolhas muito pontuais e corretas, desde o cenário à própria escolha de protagonista, que se encaixa perfeitamente à perspectiva em primeira pessoa proposta pela Capcom.

Ainda que tenha uma história e construa um arco ao longo do jogo, Ethan, mais do que tudo, é um avatar, uma representação direta do jogador dentro daquele universo - não é possível ver o seu rosto durante a campanha, nem quando você está olhando para um espelho. Fosse ali um Chris, uma Jill ou um Leon no lugar deste protagonista inédito, despreparado para os perigos que vai enfrentar, o efeito não seria o mesmo.

Conheça os Bakers

Porém, o que aparentemente falta de personalidade em Ethan sobra nos seus antagonistas, apresentados logo cedo no jogo. Jack, Marguerite e Lucas Baker são, cada um a sua maneira, insanos, completamente tomados pelo ambiente desolador em que vivem, como se a relação fosse simbiótica. O roteiro, cautelosamente trabalhado para apresentar suas características, os coloca como ameaças aterrorizantes assim que você os vê pela primeira vez.

Sabe quando você fica alerta de uma hora para a outra e sente o desespero bater? É exatamente o que aconteceu, até mesmo quando joguei partes do game pela segunda vez, em cada uma das vezes que encontrei uma Marguerite esbravejando com sua lanterna em punho ou um Jack ensandecido e superforte gritando "ocê não vai escapar" (aliás, a localização em português do Brasil, cheia de regionalismos adaptados para a nossa língua, é um charme ä parte).

É claro, este não seria um Resident Evil se não houvesse alguma espécie de ameaça biológica como pano de fundo. Não vamos entregar nenhum spoiler da trama neste texto, mas a causa da mudança dos Bakers tem a ver com os mofos que podem ser encontrados em todas as partes do cenário.

É desta substância escura que impregna as paredes da casa que surgem os "zumbis" do game, as criaturas chamadas mofados. Embora seu método de aparição para o jogador siga o mesmo caminho dos Bakers, sempre tentando pegar Ethan desprevenido, seu comportamento é mais similar aos inimigos-padrão dos Resident Evil anteriores.

Mais terror, menos ação

Entretanto, enfrentá-los nunca é fácil. Sempre há um perigo iminente pela própria construção de combate do game, baseada em movimentação mais lenta e, como sempre, na administração de recursos escassos - você não vai querer gastar todas as balas em um mofado e ficar sem munição para o próximo.

O sistema de combate acaba se tornando um leve empecilho nas partes mais avançadas do jogo. Resident Evil 7 tenta crescer sua dificuldade aumentando a frequência de encontros com inimigos e, especialmente, o número de mofados em tela, o que acaba batendo de frente com uma estrutura mais voltada para encontros contra poucos inimigos. Não é algo que chegue a atrapalhar a experiência, mas destoa.

De certa forma, as lutas de Resident Evil 7 lembram um pouco as dos primeiros Resident Evil, que também era cadenciado e contava com poucos oponentes em tela. O verdadeiro apelo nostálgico e conexão com a franquia está nos itens, na maneira como são usados e gerenciados, e na exploração - todos ligados com a atmosfera de tensão proposta.

Elementos clássicos como ervas, a necessidade de combinar ingredientes para formar um item, chaves com formatos pouco convencionais e a existência de diversos caminhos trancados desde os primeiros salões do game ajudam a formar os fascinantes mistérios de se explorar o cenário, como em todo bom Resident Evil.

RE7 faz isso o tempo todo não apenas de maneiras clássicas, como colocando aquela sala que só poderá ser aberta com uma chave adquirida horas depois, mas também com influências bastante modernas. Em uma parte mais avançada da trama, há uma sala de escape tão intrigante que passei boas horas pensando como desvendá-la. Acabei pedindo ajuda a um colega que também estava jogando o game. Não me lembro da última vez que fiz isso.

Um recurso narrativo inteligente empregado pela Capcom em de Resident Evil 7 é o uso das fitas, que podem ser "jogadas" e ajudam você a compreender não só o que aconteceu antes de sua chegada à residência dos Bakers, como também tem utilidade em termos de gameplay, mostrando caminhos e soluções para Ethan antes que ele chegue pessoalmente aos locais mostrados.

A edição de som de Resident Evil 7 também merece ser elogiada. Se há algo que contribui diretamente para o seu estado de alerta em todos os cenários, é a inúmera quantidade de rangidos, chiados, zumbidos e estalos acontecendo por todos os lados, mesmo quando não há nenhuma ameaça à espreita. O uso pontual da trilha sonora também segue o estilo clássico da franquia, com trilhas assustadoras para os combates e o velho e bom tema de "conforto" em salas de salvamento.

Um Resident Evil, no fim das contas

Mais do que te prender por sua atmosfera ou sua dificuldade, Resident Evil 7 também deixa você curioso por seus mistérios, para saber o que vai acontecer com Ethan e Mia e o que está por trás da nojenta degeneração dos Bakers. O roteiro é coeso e, mesmo revelando mistérios importantes relativamente cedo, ainda guarda boas surpresas em seus momentos finais.

O encerramento também é marcante e surpreendente, apesar do último chefe insosso. É difícil comentá-lo sem dar spoilers, mas podemos dizer que o fim da jornada é, acima de tudo, recompensador, estabelecendo pontos importantes para o jogador e deixando a curiosidade do jogador no ar com alguns questionamentos.

Resident Evil 7 é, acima de tudo, um Resident Evil. Suas novidades não são revolucionárias, mas mostram como a Capcom conseguiu, mais uma vez, virar o jogo de cabeça pra baixo, mudando coisas básicas como a perspectiva da câmera sem deixar de lado a essência do terror de sobrevivência. Em seu misto de fascínio e pânico, a mansão dos Bakers te convida para uma ótima jornada.

Abaixo, você confere o gameplay completo de Resident Evil 7, jogado em nossas maratonas:

Resident Evil 7: biohazard está disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC (Steam, Nuuvem, Hype). O jogo foi testado em um PlayStation 4, sem o uso do PlayStation VR. Clique no nome das plataformas para conferir o preço nas versões digitais.

Nota do crítico