[Sexo Maduro]

Adivinhe quem vem para rezar não traz novidades no texto. A estrutura em três atos, texto de Dib Carneiro Neto, traz a velha pendenga entre pai e filho em algumas variações e certamente simbolizando a relação entre um mais velho (Paulo Autran, fantástico como sempre) e o mais novo (Cláudio Fontana, rabugento demais). O cenário é um velório que pode ser do pai ou do amigo do pai. Mais do que diferença entre gerações, a peça bate na tecla do ponto de vista da sexualidade para os mais velhos e em todos os embates os três personagens feitos por Autran se deliciam com a imaturidade do jovem mauricinho reclamão. A mensagem tanto do pai, como do amigo do pai ou do padre é clara: aproveite a vida e sexo faz parte disto. Sem culpa, sem pieguices. Também sem muita graça.

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[Muito sexo no passado]

Quarta-feira, sem falta, lá em casa está de volta. Nicette Bruno substitui a saudosa Myrian Pires (Laura). Beatriz Segall continua no papel da atrapalhada Alcina. Ou não tão atrapalhada assim. A peça trata de uma amizade de 50 anos, com muitas revelações de um passado de ações nada sensatas. Raramente um texto nacional (de Mário Brasini) foi tão ousado com aparente simplicidade e leveza. A peça se apóia em uma atmosfera cômica, mas tudo é muito sério e espantosamente escavado. Assim como em Adivinhe quem vem para rezar, a maturidade trata o sexo no passado como uma atividade de prazer. Muito prazer, em que a culpa entra apenas momentaneamente, para o aprofundamento das relações.

[Brincando com o passado, ironias no presente]

O tom das duas peças é a ironia. A ironia foi levada muito a sério pela cultura no romantismo do século XIX. A realidade era modificada pelo olhar do autor que transformava o herói da literatura romântica, acentuado a impressão de pequenez e incompreensão perante o mundo. A idéia básica da ironia é a dissimulação - finjo que sou menor, embora tenha certeza que sou grande - para atingir o outro supostamente mais poderoso. Mas com esta brincadeira o mundo fica em segundo plano e mais limitado, há perda da subjetividade. Amores impossíveis, morte pelo ideal político, suicídio pela honra foram temas de inúmeros romances. Sem contar a música. Desde Beethoven nos acostumamos a ser arrebatados pelas melodias que emocionam e fazem o que querem com os atentos ouvintes. O auge da ironia se dá na telenovela, mas que sempre vira brega. É comum vermos autores defendendo suas tramas amalucadas, acreditando que tudo aquilo pode ser real. Adivinhe quem vem para rezar e Quarta-feira, sem falta, lá em casa gozam do espectador que quer ser arrebatado pela interpretação ou posto às lágrimas. Não há lugar para o sofrimento.

[Contra o Alzheimer]

Curiosamente, ou não, quem não se admira com senhores e damas da envergadura de Paulo Autran, Nicette Bruno e a esplendida Beatriz Segall? Inquietos e imortais na sua arte, impressionam pela dinâmica e disposição em fazer... Autran nem bem saiu do enorme sucesso do Sr Green - já comentado nesta coluna - e abraça outros três personagens complexos, longos, multidimensionais. Beatriz não faz por menos. Já citamos aqui no Omelete sua atuação e dinamismo neste mesmo espetáculo em sua versão de 2003. Vale ainda lembrar de Bibi Ferreira, que não deveria passar despercebida pelas novas gerações de theatergoers. Aos 83 anos assumidos a estrela faz um espetáculo de 90 minutos cantados ininterruptamente... Bibi in concert III! Ela ironizou-se dizendo que o nome deveria ser Bye Bye Bibi!!!

Uma jovem repórter de um canal de TV, enorme na sua desimportância, perguntou após uma estréia de Beatriz Segall o que esta pensava do grande sucesso alcançado por aquele trabalho. Madame Segall, na lata, respondeu: no próximo!!!

Queremos a receita para envelhecer assim, ou será que assim rejuvenescemos?

[Amores irônicos]

Contra o amor: uma polêmica (Ed. Record) foi lançado no Brasil após intensa repercussão nos Estados Unidos. Irônico e extremamente bem traduzido. A autora, Laura Kipnis já publicara vários ensaios (nunca traduzidos por aqui) sobre amor e sexo, - quem quiser lê-los, o Google lista todos - mas desta vez vai direto ao ataque: a cultura do amor pode trazer muito mais transtorno do que assistimos nos mais lacrimosos romances ou filmes. Para Kipnis vivemos uma verdadeira ditadura do amor, em que o casamento, sem percebermos, pode se tratar de uma arapuca. Laura Kipnis entende que o adultério é uma falsa rebeldia, pois habitualmente os amantes caem nas mesmas armadilhas do casamento: juras de amor eterno e a promessa de uma vida repleta de felicidade no futuro. O livro se enuncia como uma polêmica sobre o amor, mas seu desenrolar fala da hipocrisia da instituição matrimônio. É muito fácil se identificar com as descrições e comprovações da autora quando defende que o casamento comprime o amor e tudo se transforma em um quartel militar repleto de regras e punições para quem não as cumpre. O único problema de Kipnis é tratar o leitor como bobo, como se não houvesse alternativas interessantes para os relacionamentos. A impressão é de uma escritora amarga e desiludida com a vida afetiva. O amor não é obrigação para a felicidade, a solidão não é necessariamente um problema, do casamento podemos tirar vantagens. A questão do amor é sempre a mesma: em que lugar somos colocados por ele e que o que decidimos fazer com isso.

[Samba do passado, êxtase no presente]

Baile estelar dá seqüência ao projeto de José Possi Neto e Guga Stroeter iniciado em 1988 com Emoções baratas e depois Mucho corazón, de 1992. Nenhum destes espetáculos (altamente contagiantes) continha músicas brasileiras, talvez por medo de cair no folclórico ou show-para-turistas. Agora diretor e músico chamaram Jorge Garcia para a coreografia e montaram o mais empolgante espetáculo do momento. Quase tudo é samba entre as décadas de 1930 e 1950. O público se segura na cadeira durante pouco mais de uma hora, para depois cair no samba em pleno palco, puxado por bailarinos, cantores e músicos que provam mais uma vez que espetáculo de qualidade, que marca a diferença, só pode ser criação em equipe. Sem contar na infindável novidade de arranjos e concepções de representações para músicas como Aquarela do Brasil, O que é que a baiana tem?, Chão de estrelas...

[Ironia sensual brasileira]

Como ter bom gosto e fugir do sambão deprimente e ginecológico dos programas dominicais? Ironia, muita ironia. José Possi Neto optou por uma direção que abraça a brasilidade, mas se afasta da conhecida representação do samba brasileiro, sempre ligado à mulata, morro, alegria forçada. Mesmo sabendo que se trata de uma encenação, com direito a algumas modernidades, luzes e vestimentas arriscadas, o distanciamento não evita o contágio da platéia. Sabemos que nada é levado a sério. Não há um fio de meada em Baile estelar, apenas a intenção de um ótimo divertimento estético, musical e dançável. Para que mais?

[Ironia iluminada]

Candide é uma daquelas obras que não tem mais dono. Quem leva a fama é o maestro e compositor Leonard Bernstein, mas a história mostra que o musical passou pelas mãos de quase todos os criadores com tutano dos anos 50 nos Estados Unidos, entre eles: Lilian Hellman, Dorothy Parker, Stephen Sondheim. Baseado no livro do iluminista Voltaire, Candide pode ser adaptado para qualquer época, qualquer país, porque trata da ingenuidade de um jovem com uma educação formal frente às desgraças mais comuns da humanidade e, mais do que isto, a hipocrisia dos mais poderosos. Ninguém presta em Candide. Até mesmo o herói, que quer ser correto, mas de tão otário acaba se envolvendo em fugas espetaculares e crimes hediondos. A surpreendente falta de rigor dramático de Voltaire se faz presente no musical. Mortos retornam sem nenhum problema, como eles mesmos, ou disfarçados de outros personagens. Quem muda pouco, ou talvez só no final é Candide, que já não acredita tanto assim na bondade da humanidade. O tom de Bernstein é sempre a ironia. Nem mesmo há clima romântico que se sustente. Qualquer tentativa amorosa, mesmo que musical é interrompida drasticamente e o que impera é o corte, a desilusão.

[Ironia rejeitada, platéias vazias]

Candide, o musical é fantástico em sua concepção, mas extremamente difícil de ser montado. Nos Estados Unidos fracassou em sua estréia em 1956 (apenas 73 apresentações com o melhor dos elencos da época), nos anos 90 em nova tentativa na Broadway e tem sido visto apenas como forma de concerto. Há pouco saiu em DVD a melhor montagem já feita (2004, no Lincoln Center), também em forma de concerto, mas com total integração entre músicos, cantores, narrador e coro, uma verdadeira festa no palco. Assim como na Broadway, o público também fugiu do teatro Municipal em São Paulo que ousou apresentar Candide. Extremamente bem cuidada, letras bem traduzidas para o português (pelo quase sempre ótimo Cláudio Botelho), excelente vestuário e iluminação. Mas faltou a ironia. Esta opereta só pode ser engraçada se não se levar a sério. Fernando Portari (Candide) e Rosana Lamosa (Cunegunda, o objeto de amor, nada pura) ainda caem na tentação de mostrar em palco que são um casal feliz e esquecem que tudo neste musical é gozação. Candide é puro Brasil de agora, em que poderosos que antigamente ditavam regras de corretude são descobertos como o mais acabado exemplo do aversivo.

[Por fora da garganta profunda]

Novas gerações podem estranhar o furor e escândalo que foi o lançamento nos cinemas do pornô Garganta profunda (Deep Throat, 1972). O documentário Por dentro da garganta profunda inicia de forma emblemática: Foi filmado em 6 dias por 25 mil dólares. Os governantes não queriam que você o visse. Foi banido em 23 estados (americanos). Fez mais de 600 milhões de dólares. E tornou-se o mais lucrativo filme na história do cinema! Nesta produção de 2005, Bailey Fenton e Randy Barbato, os diretores e autores, ousaram mais uma vez sobre a ousadia do original. Mostraram a vida dos envolvidos no filme após o mesmo: Linda Lovelace que inflamou fantasias masturbatórias por todo planeta, seu envelhecimento precoce e seu patético fim; o diretor Damiano que ensina mais sobre sexo do que muitos tratados por aí; o ator Harry Reims que confessou que até uma roda de trem lhe dava tesão e tinha a ereção mais rápida do mundo pornô. Foi preso e hoje é corretor de imóveis, neo-cristão...

Divertido e doloroso, o documentário só peca pela moral implícita: todos que foderam no Garganta profunda se foderam na vida!

"O amor não vê com os olhos, vê com a mente;
por isto é alado, é cego e tão potente."

Sonho de uma noite de verão
Shakespeare