Prey | Crítica
Dishonored e BioShock entram num bar…
Quando você começa a jogar Prey, não o original lançado em 2006 pela Human Head Studios, e sim o reboot de 2017 desenvolvido pela Arkane Austin, dois jogos virão a sua cabeça: BioShock (ou System Shock, se você for old school) e Dishonored. De fato, é difícil não pensar nessas duas franquias durante o tempo que você passa explorando a estação espacial Talos I, infestada com os letais aliens Typhoon.
Ali está a direção de arte que segue um estilo específico. Ali estão os poderes que te ajudam no combate e locomoção. Ali estão os diários de áudio que ajudam a estabelecer os personagens que habitam este mundo. Você já entendeu. A Arkane Austin está, claramente, bebendo de fontes que vieram antes do seu novo jogo, e a boa notícia é que, em geral, Prey captura bem as qualidades de ambos jogos citados acima e entrega um produto competente.
Em Prey, jogamos com Morgan Yu, um homem/mulher que habita a estação espacial Talos I. Nessa realidade paralela, na qual John F. Kennedy nunca morreu e nossos avanços para o espaço foram tão grandes quanto nosso amor por art déco, a humanidade encontrou os Typhoon, aliens estranhos que estavam sendo estudados, mas fugiram do nosso controle (claro) e agora ameaçam toda a humanidade.
Logo nas primeiras horas, Prey mostra a que veio, estabelecendo uma série de reviravoltas que, mesmo acontecendo logo no início da campanha, trazem um sentimento de urgência e curiosidade para a história. Morgan rapidamente se vê rodeado de possíveis caminhos para seguir, alguns criados até por ele mesmo, mas é só mais pra frente que o jogador descobrirá se valeu a pena depositar sua confiança em alguns deles.
Prey é um exemplo excelente de suspense em games. Morgan está sempre em alerta. Sua desconfiança vai desde os personagens, já que você nunca sabe se pode confiar em alguém que se diz amigo, até os objetos que você coleta para produzir armas e equipamentos, já que um tipo de Typhoon, chamado Mimic, é capaz de imitar qualquer coisa pequena ao seu redor, seja uma caneca de café ou uma casca de banana.
Isso não seria nada além de uma pequena irritação se Prey não tivesse seu ótimo sistema de loot. Em jogos como esse, é comum encontrar coisas dos mais variados tipos em todo canto. Restos de fio, pedaços de metal, uma maçã deixada pela metade. Na maioria dos casos, isso tudo serve pra vender ou conseguir meio ponto de HP de volta. Aqui, eles fazem parte do loop de gameplay de uma forma mais interessante. Tudo que você coleta pode ser reciclado e transformado em Material, o que por sua vez é usado na criação de armas, kits de medicina, munição e outros itens.
É um sistema que requer algumas tentativas para ser compreendido em sua totalidade, mas que funciona bem. Quando você entende que simplesmente está coletando lixo e transformando isso em balas, o processo fica mais tranquilo.
A Arkane Austin deve ser parabenizada pela forma como transformou um dos clichês mais comuns dos games de exploração modernos - a enorme quantidade de troço que você encontra em todo lugar - em algo que faz parte do DNA de Prey de forma inteligente. Há um peso de história e de gameplay para as coisas espalhadas pelas salas e corredores da Talos I. Elas enriquecem o mundo e a jogabilidade.
E são esses os dois pilares que mais se destacam em Prey. O seu mundo é sem dúvidas o lado mais positivo da experiência, enquanto a jogabilidade é o mais frustrante. Vamos começar com as notícias ruins primeiro.
Jogar Prey parece ser o maior obstáculo para aproveitar bem Prey, particularmente porque esse não é um jogo que, como Dishonored, oferece muitos caminhos furtivos. Você vai se ver em situações de combate repetidas vezes, e é nessa parte onde o jogo falha mais. Mover Morgan não é um problema, a não ser que você precise ser ágil. No combate, mesmo que os seus reflexos sejam ótimos, a resposta do jogo não será. Os Mimics são extremamente rápidos, e mirar neles rapidamente se torna um pesadelo maior que a própria existência desses aliens. Já outros inimigos são capazes de atacar à distância, e boa sorte tentando se esquivar disso tudo.
Esse problema é agravado nos consoles, onde a ausência do mouse com sua precisão e do teclado para mudar de armas e habilidades de forma veloz cria uma dificuldade irritante no combate, ao ponto de que simplesmente fugir dos inimigos passa a ser uma estratégia válida. Talvez isso seja intencional da parte dos desenvolvedores, mas se sua ideia era passar um sentimento de desespero diante dos Typhoon, o que eles criaram parece mais uma pedrinha no sapato.
O elemento que ajuda a combater isso tudo, e sem dúvidas a parte mais legal do gameplay defeituoso de Prey, é a GLOO Gun, uma arma que atira cola. Ela é capaz de deixar os inimigos mais lentos ou até mesmo congelá-los, o que dá ao jogador uma chance muito maior na hora de lutar. Eventualmente, inimigos que me davam muito trabalho estavam sendo derrotados apenas com pancadas da minha chave inglesa (é claro que esse jogo tem uma chave inglesa). Isso só é possível com a GLOO, que também ajuda na locomoção.
Atirar a GLOO em uma superfície seca cria uma grande bolota de cola dura. Isso pode ser usado para escalar, criar pontes, apagar fogo e até mesmo parar eletricidade. Em outras palavras, com esta arma, áreas antes inacessíveis ficam no alcance do jogador, e você rapidamente encontra formas criativas de usar isso para emboscar inimigos.
Do outro lado da moeda, está o mundo de Prey. Sua atmosfera de suspense, como já falamos, é excelente. E grande parte disso se dá pelos personagens e histórias que povoam a Talos I. Os e-mails, anotações e diários de áudio deixados pra trás por uma tripulação agora 99% morta ajudam a enriquecer o ambiente onde Morgan se encontra. Isso, por si só, é algo que vários jogos fazem, mas o diferencial de Prey é a forma como as narrativas e pessoas vão se conectando. Não é incomum ver uma mensagem de um membro da Talos I e, horas depois, em outro computador, descobrir qual foi a resposta do destinatário.
Isso é essencial para desfrutar Prey num nível narrativo. A história principal, que começa com dois pés na porta, vai desacelerando até chegar num final que dificilmente alcança as expectativas estabelecidas pelo roteiro nas primeiras horas. Estranhamente, o contrário acontece com os sidequests. Eles vão, progressivamente, ficando mais interessante. Descobrir o que aconteceu com os membros da Talos I e o que eles estavam fazendo antes dos Typhoon destruírem tudo é fascinante e cativa o jogador por horas.
Eu adorei investigar um jogo estilo Dungeons and Dragons que estava sendo jogado por parte da tripulação e descobrir sobre o tesouro escondido por alguns destes membros. Encontrar uma arma especial mencionada por alguém da Talos I, produzir uma super-fruta baseado nas descobertas de um cientista, descobrir o que aconteceu com pessoas que perderam contato, a rara e grata surpresa de encontrar alguém vivo, e a surpresa ainda maior quando essa pessoa se revela um psicopata ou criminoso, é a melhor parte do enredo. Prey é um jogo onde as batatas fritas são mais gostosas que o hambúrguer. Tipo o McDonalds.
E não faltam histórias assim. Prey é um excelente jogo de suspense e um excelente jogo de exploração manchado por falhas na narrativa principal e no combate, mas o simples ato de rodar pela Talos I completando side-quests, descobrindo os destinos da tripulação, desvendando mistérios, abrindo portas e realizando experimentos, o tornam uma experiência divertida. Foi quando eu deixei o main quest de lado e passei a ignorar alguns inimigos que Prey se encaixou bem pra mim, e eu recomendo que você faça o mesmo.
Prey está disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC (Steam, Nuuvem). O jogo foi testado num PlayStation 4 normal. Clique no nome das plataformas para ver o preço das versões digitais.