Uma hora não é o suficiente pra saber se os jogos Pokémon mais importantes desde os originais são o salto ao futuro do qual a série precisa, ou se era melhor que a Game Freak ficasse presa ao passado por mais um tempinho.
Em uma hora, fica claro que o mundo aberto é o cenário ideal para esconder os segredos de uma nova geração de monstrinhos. Mas também surgem dúvidas sobre a capacidade da Game Freak de povoar tal mundo aberto com conteúdo de qualidade, especialmente em meio a limitações técnicas.
Eu joguei Pokémon Scarlet por uma hora, e estou preocupado. E igualmente empolgado.
Para a surpresa de todos aqueles que passaram décadas se perguntando: “Por que eles só não fazem um Pokémon de mundo aberto?!”, a dura realidade é que “só fazer um Pokémon de mundo aberto” é assustadoramente difícil. Mais difícil do que eu pensava. Colocar as mãos no novo jogo foi o que realmente abriu meus olhos para a dificuldade da tarefa.
O mundo aberto em Pokémon muda tudo. Muda a motivação do jogador para seguir em frente, a importância de itens e as interações com NPCs. Quão memoráveis as cidades são. O ritmo do progresso. Caixas de texto que descrevem o combate, antes toleráveis, tornam-se insuportavelmente lentas. Os próprios Pokémon selvagens, que costumavam ser o objetivo, agora correm o risco de serem vistos como obstáculos.
Pokémon Legends: Arceus nos enganou. Nos fez pensar que o caminho era fácil. Naquele jogo, explora-se grandes áreas abertas com fluidez por conta do sistema de batalhas resumido e do foco na captura rápida e interminável de monstrinhos. Tudo era mais leve – algo que o legado dos RPGs de Pokémon não é.
Scarlet e Violet precisam dar um jeito de encaixar todo o peso da tradição nesse mundo aberto, e o resultado é um jogo muito mais lento que Legends: Arceus. Mais profundo e complexo, sim, mas também mais metódico e repetitivo.
Imagine: você está atravessando um descampado para chegar logo no próximo Ginásio, e avista um NPC contra quem você pode lutar. Em Scarlet e Violet, os NPCs não têm autonomia para nos desafiar por conta própria – você que precisa iniciar o duelo. A história da franquia dita que esse combatente qualquer não vai fazer você suar na disputa. Há uma pequena chance de ele revelar um Pokémon novo, mas, provavelmente, não vai rolar. E aí? Você para pra lutar com o cara? Ou só ignora, e segue em frente?
Eu acho que eu o ignoraria. Isso é ruim, não? Se é assim, por que que ele está ali?
Porque tem que ter, né. Não é?
Talvez o RPG de mundo aberto ideal de Pokémon seja um que se desfaz de muito daquilo que consideramos "essencial" para a experiência da série. Mas Scarlet e Violet não abre mão de nada: todas as peças foram colocadas no tabuleiro, ainda que algumas estejam em posições um pouco desconfortáveis.
Por enquanto, tenho só uma hora de jogo — não há como dizer que o jogo seria melhor se não tivesse esses NPCs em tão pouco tempo. Na verdade, eu só estou pensando em quão fútil foi dar uma surra no Shinx daquele moleque de 6 anos por causa dos três ícones no meu mapa, que não deixam dúvidas das atividades com as quais o jogo realmente quer que eu me preocupe.
Sem uma trilha linear para seguir, como em títulos anteriores da série, Scarlet e Violet permitem aos jogadores a livre exploração de três caminhos narrativos independentes. No Victory Road estão em jogo ginásios, insígnias e o título de melhor treinador da região de Paldea — o arroz com feijão da série. Em Starfall Street, os adversários são hordas de Pokémon controladas pelos arruaceiros do Team Star. E, no Path of Legends, é preciso investigar (e batalhar contra) Pokémon gigantescos, como os lordes de Legends: Arceus ou os totens de Sun & Moon.
A possibilidade de tomar o próprio rumo é bem-vinda, mas parece ser traída pelo próprio jogo quando ele marca exatamente onde você precisa ir para progredir em cada uma das três histórias. É incerto se as demarcações automáticas aparecem apenas no início da jornada, mas não é difícil imaginar como uma mecânica de exploração mais orgânica, à la Breath of the Wild, seria preferível ao liga-pontos de um jogo de mundo aberto da Ubisoft.
Pois é isso: eu tenho medo de começar a evitar batalhas contra Pokémon selvagens e outros treinadores por elas não serem tão ágeis quanto as de Legends: Arceus. E também tenho medo de me animar para explorar um mundo que talvez não queira ser explorado, preferindo conduzir o jogador pela mão do ponto A ao B e depois ao C sem qualquer resistência.
Tenho medo porque Paldea é incrível — de todos, o primeiro mundo Pokémon que não faz concessões em escala.
A primeira coisa que fiz na demonstração foi entrar na casa da protagonista. Do mesmo tamanho por fora e por dentro, ela é cheia de detalhes e firulas. Enfeites nas prateleiras e vinhas nas paredes externas demonstram um charme que transcende as limitações técnicas da Game Freak e do Switch. Visualmente, o jogo está acima de Legends: Arceus – e com muito mais variedade nos cenários, mesmo na comparação com o pequeno trecho do mapa de Scarlet ao qual eu tive acesso.
Com a ajuda do lendário Koraidon (não me pergunte como o temos logo no início da jornada, pois eu também não sei), navegar por Paldea para aproveitar tais detalhes é um processo completamente indolor. Ele corre, salta, nada, escala paredes e plana com facilidade, permitindo que você vá aonde quiser, quando quiser. Em Legends: Arceus, ações como a escalada precisavam ser desbloqueadas ao longo da história. Aqui, tudo isso é possível logo de cara.
A fluidez na exploração também é auxiliada pela maneira como o jogador pode soltar um Pokémon para andar livremente fora da Pokébola, batalhando contra monstrinhos selvagens e coletando itens automaticamente. Em certos momentos, como na luta contra o Team Star presente na demo, até três Pokémon podem atuar de maneira independente ao mesmo tempo.
Pequenas descobertas estão espalhadas por todos os lados — por exemplo, presa a uma árvore solitária, ou esperando no topo de uma torre —, e o jogo brilhará se conseguir deixar o jogador curti-las no próprio ritmo. Até mesmo o exemplo mais clássico de nova descoberta possível em um jogo Pokémon funciona melhor em Scarlet e Violet: avistar um Pokémon inédito e correr até ele, lentamente traçando e compreendendo sua fisionomia, é muito mais divertido do que apenas vê-lo aparecer na tela no início de uma batalha aleatória.
Apesar de todas as minhas ressalvas até agora, perceba algo: é evidente que estamos falando de jogos melhores que Sword & Shield.
Descontados os riscos do novo mundo aberto, Scarlet e Violet são superiores a seus predecessores diretos em basicamente todos os aspectos. A nova interface visual para fabricação e uso de TMs incentiva o jogador a utiliza-los de uma maneira que a série nunca conseguiu antes. As mecânicas de piquenique e confecção de sanduíches são muito menos burocráticas que suas equivalentes em Galar. A Pokédex, com uma vibe de álbum fotográfico, se inspira em Pokémon Snap para tornar empolgantes até mesmo encontros contra monstrinhos velhos e batidos.
Até mesmo o fenômeno Terastal, que substitui o Gigantamax, sai na frente: a existência de monstrinhos como um Sudowoodo de Grama acrescenta um certo tempero aos combates e à busca para montar os melhores times possíveis. Para os que não gostam desses tipos de twists, a boa notícia é que a mecânica é limitada. O jogador só pode mudar o tipo de um de seus Pokémon uma vez antes de precisar retornar ao centro Pokémon ou usar um item para recuperar a função.
Mas o aspecto em que o aprendizado vindo de Sword e Shield é melhor sentido é nas Tera Raid Battles. As disputas de multiplayer cooperativo agora acontecem em tempo real, sem as esperas intermináveis por aliados que deixavam o Switch de lado no meio da treta. Caso um Pokémon seja derrotado, o time todo leva uma penalidade de tempo – mas a ação nunca para.
A menos de um mês do lançamento de Pokémon Scarlet e Violet, aguardo o início da nona geração da franquia com a atitude de um fã covarde. Admiro a Game Freak por finalmente ouvir os jogadores e deixar a zona de conforto para trás, mas tenho medo de ficar com saudades daquele mesmo conforto.
Muito ainda falta a ser explorado nos novos jogos. Será que a história será tão boa quanto em Legends: Arceus? Os personagens, igualmente memoráveis? Quantos novos monstrinhos serão, além dos tantos que vi e não posso revelar? A evolução final do Sprigatito vai ser bípede? E o multiplayer — será que explorar Paldea ao lado de amigos vai fazer a diferença para a longevidade do jogo?
Por enquanto, não dá pra saber. Preciso de mais algumas horas.
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