Xenoblade Chronicles salvou o RPG japonês. Sua estreia em 2010 marcou o fim do pior período da história do gênero, que havia desperdiçado a última meia década em uma sucessão de decepções.
Enquanto estúdios rivais suavam em tentativas de recriar sucessos da era do PlayStation 2, a Monolith Soft ousou olhar para frente, entregando vastos cenários abertos, uma trama emocionante e um sistema de batalha único e engenhoso.
Hoje, relançado para o Nintendo Switch, o jogo já não é mais tão impactante. Sua influência já foi sentida por todos os cantos - não apenas em duas sequências, mas também em trabalhos de outros estúdios, que usaram o game original de Wii como um norte. E mesmo assim, ele ainda consegue prender a atenção como fazia 10 anos atrás.
No passado distante, duas criaturas gigantescas se enfrentaram até a morte. Bionis e Mechonis desferiram golpes fatais praticamente simultâneos, e padeceram conectados pelas lâminas de suas espadas sobre um mar interminável.
O tempo passou, e civilizações inteiras foram erguidas sobre os corpos dos colossos. Herdeiros do conflito que deu origem a este mundo, as diferentes raças que habitam os gigantes ainda guerreiam entre si.
O protagonista da história é Shulk, um garoto de passado misterioso que descobre ter alguma ligação com a espada Monado - uma lâmina lendária que o concede o poder de ver o futuro. Após uma reviravolta verdadeiramentre surpreendente logo nas primeiras horas do jogo, ele parte em uma jornada ao lado de companheiros previsíveis (e outros nem tanto) para desvendar os segredos deste mundo incomum.
Todos os aspectos da trama e do mundo de Xenoblade Chronicles esbanjam criatividade, partindo da ideia de que os humanos (chamados Homs no jogo) foram massacrados por seus inimigos ao ponto de precisarem se esconder em pequenas colônias em uma das pernas do gigante Bionis. É um cenário inesperado, que traz à tona conceitos e momentos igualmente inesperados.
Quando a base de uma história é sólida a este nível, é comum ela vir acompanhada de um roteiro vaidoso demais, daqueles que se tornam apaixonados pelo som da própria voz. Mas Xenoblade ainda consegue praticar a modéstia, apresentando personagens e ideias de maneira simples e natural. O resultado é claro: ao fim da jornada, que dura em média 70 horas (e que pode alcançar mais de 200 no caso de jogadores que buscam todo o conteúdo opcional), a sensação que fica não é uma de cansaço, mas sim a de que o jogo poderia ser maior.
E no Switch, Xenoblade Chronicles é, de fato, maior: a Definitive Edition vem acompanhada de um novo epílogo jogável para a história, chamado de Future Connected.
Trata-se de uma nova aventura estrelada por Shulk e Melia, situada um ano após o término da trama original. Sem entrar em spoilers e na posição de um grande fã do game, posso dizer que fiquei plenamente satisfeito com o que o extra oferece.
A experiência completa de Future Connected tem cerca de 15 horas de duração, e oferece gráficos e animações melhores do que o jogo base, além de algumas novidades em termos de mecânica, como um exército de pequenos guerreiros Nopon que podem ser invocados para realizar ataques especiais.
Jogadores veteranos podem acessar o conteúdo da 'expansão' logo de cara, sem precisar rejogar o original; mas Future Connected é melhor aproveitado como uma boa sobremesa, até mesmo porque ele parte do pressuposto de que você jogou o game base recentemente - ou pelo menos que você tem uma memória excepcional.
Em 2010, a melhor referência que existia para explicar o sistema de combates de Xenoblade Chronicles era Final Fantasy XII. Como no RPG de PS2, o jogador controla um personagem em tempo real enquanto dois companheiros são guiados pela inteligência artificial. Desde que os inimigos estejam dentro de seu campo de alcance, os heróis realizam seus ataques básicos automaticamente, enquanto o jogador deve se preocupar em ativar habilidades especiais nos momentos oportunos.
Mas o sistema de Xenoblade é mais profundo e complexo. Ataques automáticos podem ser interrompidos pelo uso de Arts, por exemplo, de maneira que o jogador que apenas ativa habilidades em sequência de forma displicente acaba prejudicando a performance de seu time. Para certos ataques, o posicionamento do personagem em relação ao inimigo também importa; o Back Slash de Shulk desfere dano crítico caso acerte um inimigo por trás, por exemplo. Elementos assim fazem com que a melhor comparação atual para o que Xenoblade faz seja, na verdade, o MMORPG Final Fantasy XIV.
Além de timing e posicionamento, a lista de coisas com as quais o jogador precisa se preocupar em combate ainda inclui buffs e debuffs, auras, ataques especiais com área de efeito, e mais. Além disso, Shulk é capaz de ter visões do futuro durante as batalhas, antecipando ataques que podem ser fatais. Em resposta, o jogador pode aproveitar uma janela de oportunidade para encontrar uma maneira de interromper ou bloquear o ataque.
Apesar da descrição intimidadora, o sistema como um todo é fácil de entender (em boa parte por causa da interface melhorada da versão de Switch). De alguma maneira, ele é simultaneamente terapêutico e envolvente.
A jóia da coroa é a maneira como mudar o personagem controlável muda completamente o ritmo das lutas. Cada herói tem uma prioridade diferente: Riki, por exemplo, deve se preocupar com posicionamento e em manter seus inimigos envenenados, enquanto Dunban deve alternar o foco entre oponentes que estão mirando em seus companheiros para puxá-los de volta para si. Isso, aliado ao fato de que diferentes grupos de inimigos cobram estratégias completamente distintas, faz com que o sistema de combate continue divertido mesmo após dezenas de horas de jogo.
A outra faceta de Xenoblade Chronicles é a da exploração. O mundo do jogo é dividido em vários enormes mapas, que começam tradicionais (como uma planície esverdeada cheia de montanhas) e se tornam progressivamente mais alienígenas (como um pântano coberto por árvores fluorescentes).
Para motivar o jogador a explorar cada canto dos mapas, o jogo oferece uma quantidade absurda de missões opcionais. Infelizmente, a maioria esmagadora delas é boba. As mais divertidas são aquelas que são associadas ao Affinity Chart - um enorme gráfico que mede o nível de afinidade entre praticamente todos os NPCs com nomes próprios que você encontra ao longo da aventura. Tais missões costumam aprofundar algum conceito do mundo de Xenoblade, e merecem atenção - ainda que, inicialmente, seja um pouco difícil diferenciá-las das missões descartáveis.
A boa notícia é que Xenoblade não obriga o jogador a cumprir missões opcionais para ficar forte o suficiente para enfrentar a história principal. Muito pelo contrário: para aqueles que gostam de completar todos os objetivos, a minha recomendação é ativar o novo Expert Mode, que limita o ganho de experiência e mantém o grupo de heróis em níveis razoáveis para enfrentar os desafios da história na medida em que eles forem aparecendo.
Na contramão dos demais elementos do pacote, a parte técnica da releitura para o Switch é um ponto fraco. O jogo roda bem, com uma taxa de quadro por segundos quase sempre travada em 30, e tem modelos de personagens e texturas em geral completamente refeitas com muito mais qualidade. Em relação às versões de Wii e New 3DS, o jogo é lindo; mas não para os padrões de 2020, até mesmo no Switch.
O grande problema está no esquema de resolução dinâmica, que faz com que o game rode abaixo de 720p em determinados momentos quando o Switch está ligado na TV. No modo portátil, a ação fica borrada e difícil de entender quando a câmera está distante. O problema não é tão marcante quanto em Xenoblade Chronicles 2, mas persiste - o que é uma pena em um jogo promovido como a 'versão definitiva' de um clássico.
Em contrapartida, o Switch proporcionou ao jogo uma nova e muito melhorada interface de usuário, uma opção de dificuldade reduzida para jogadores inexperientes, um modo inédito de batalhas cronometradas e uma versão remasterizada da maravilhosa trilha sonora, além de outras pequenas adições.
No Switch, Xenoblade Chronicles não é mais um jogo obrigatório como era no Wii. Mas ele se mantém irredutível em seu caráter único no gênero - até mesmo Xenoblade Chronicles X e 2 têm focos diferentes, o que faz com que seja possível recomendar o game original da série até mesmo para alguém que não curtiu as sequências.
Revisitar a aventura de Shulk 10 anos após sua estreia original é sentir na pele força da marca Xenoblade e também do estúdio Monolith Soft, que certamente ainda renderão muitas surpresas agradáveis no futuro.
- Lançamento
29.05.2020
- Publicadora
Nintendo
- Desenvolvedora
Monolith Soft