Era tarde da noite quando, no controle do lendário protagonista de Metal Gear Solid, Snake (ou Big Boss, se preferir), infiltrei um posto avançado do exército russo, montado ao longo de um desfiladeiro no vasto e mortal deserto afegão. Minha missão era destruir dois tanques antes que eles chegassem em segurança a uma base mais fortificada, mas não sabia por onde eles iriam passar. Só descobri a rota dos veículos ao obter documentos em uma casa no topo do posto, em cima do morro: eles passariam pelo local onde eu estava em cinco minutos.

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Até aqui, sem surpresas. Eu estava preparado: carregava comigo um lança mísseis, que, de acordo com as instruções do game, era a arma recomendada para destruir os tanques. Não saí de onde estava e, do alto, disparei o primeiro míssil. O projétil até causou algum dano, mas passou longe de destruir o veículo. Para piorar, fui descoberto, e agora os dois blindados atiravam em mim sem piedade. Fui obrigado a me proteger.

O tempo que gastei descendo o posto avançado, tomando o devido cuidado para evitar a linha de tiro dos tanques e os soldados em volta, fez com que ambos os veículos desistissem de me enfrentar e seguissem caminho. Com eles cada vez mais próximos da base russa, e eu mais próximo de falhar, minha missão se tornou uma corrida contra o tempo: a cavalo, passei a seguir os dois veículos o mais rápido que pude. Mal sabia eu que foi a melhor coisa que poderia ter feito.

No meio do caminho, descobri um terceiro tanque, igual aos outros dois que deveria destruir, estava largado no caminho para a base russa. Acelerei o blindado e cheguei à base russa logo depois dos outros dois. A bordo do tanque abandonado, explodi com facilidade meus alvos e completei a missão. Desde o começo, não houve quase nenhuma instrução sobre como atingir o objetivo, mas encontrar aquele veículo foi quase milagroso. O jogo não me disse que ele estava lá. Snake não ficou se perguntando se acharia algo mais poderoso para explodir os tanques que deveria. Foi algo totalmente inesperado. Foi, também, a cara do gênio Hideo Kojima, o criador e diretor da série que já provou seu domínio desta sensação inúmeras vezes em sua carreira.

Mais inesperado ainda foi saber que, ao fim da sessão de jogo, nenhum dos meus colegas havia achado o tanque. Perguntei a vários deles como eles haviam passado dessa missão em particular, e todos afirmaram que enfrentaram ambos os tanques ainda no posto avançado, usando apenas o lança mísseis, abusando da paciência e de munição.

Essa é apenas uma das várias missões de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, mas o modo como ela se desenrolou de formas tão diferentes para todos nós é uma definição emblemática do jogo. O game faz muito mais do que “copiar e colar” a mecânica consagrada da série em um mundo aberto - ele nos dá um universo que não abre mão das idiossincrasias de Hideo Kojima. O resultado é algo raríssimo na atual indústria de games: um universo com a riqueza de detalhes e realismo dos jogos de alto orçamento que, ao mesmo tempo, exibe a forte identidade de seu criador.

Em dois dias jogando o novo (e possivelmente último) trabalho de Kojima a frente de Metal Gear, ficou mais do que claro que a liberdade de ações e escolhas foi levada um nível sem precedentes na franquia, mas isso não significa que sua característica mais conhecida - a história - não seja bem trabalhada. Como esse ponto é importante para quem gosta da série, já informo de cara: infelizmente, os embargos da Konami não me permitem falar sobre a trama ou o que acontece nas cutscenes de Phantom Pain - apenas posso falar minhas impressões do que vi.

Em um bloco do OmeleTV, ao comentar sobre MGS V, eu falei que Metal Gear já tinha vivido seus melhores momentos quando se fala de enredo - afinal, esta é uma série cuja trama se estende por mais de um século, e muito já foi explorado, explicado e dissecado. Fica difícil imaginar que um novo game tenha um roteiro que impacte a saga como seus antecessores, mas o que vi de Phantom Pain me fez mudar de ideia e sair de lá com a confiança renovada de que o título agregará significativamente à linha do tempo de MGS como um todo.

O que mais me convenceu disso foi a primeira cena do game, que tem potencial para se tornar um dos momentos memoráveis da série. Nela, o cinéfilo Kojima adapta elementos cinematográficos do terror de uma maneira melhor do que muitos games deste gênero - e nos faz participar ativamente da ação (e da tensão). O que vi me fez lamentar ainda mais sobre o que Kojima poderia ter feito em parceria com Guillermo del Toro em Silent Hills.

Apesar de falar tudo isso, e sem querer desmerecer a trama, acho que este não será o ponto que vai nos manter mais interessados no game. Não imaginava que isso fosse possível, mas, pela primeira vez em um título da série Metal Gear, a jogabilidade me atraiu mais do que o enredo. Phantom Pain tem seus mistérios, mas rondar pelos enormes e bem-construídos cenários do game é simplesmente fantástico.

Segundo a Konami, Phantom Pain é cerca de 200 vezes maior que seu prólogo, Ground Zeroes, lançado no começo do ano passado (leia nossa crítica). Mas a diferença na escala de ambos os games é melhor demonstrada na prática. A primeira missão de Phantom Pain tem praticamente o mesmo tamanho, duração (e objetivos) que Ground Zeroes inteiro - e, no tempo que joguei o game, passei por quests maiores. Cada missão de Phantom Pain é, basicamente, um Ground Zeroes.

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Na sessão, pude explorar dois cenários: o deserto do Afeganistão e uma segunda área, que é desbloqueada em um determinado ponto na história. Se você lembra de Peace Walker, o último título da série no PSP, vai ficar mais do que familiarizado com a estrutura de Phantom Pain. O jogo é dividido em dois tipos de missões: as principais e as secundárias (side ops), que, em sua maioria, ajudam a desenvolver a Mother Base (Base-Mãe) - guarde este nome, pois voltaremos a ele.

Dentro de cada missão, também existe um número de caminhos possíveis. Geralmente, apenas o seu objetivo é listado - como expliquei no começo do texto, depende de você descobrir como cumprí-los. Quests maiores costumam se desdobrar em partes, cada uma com objetivos secundários que facilitam a missão como um todo. Por exemplo: invadir um posto avançado inimigo mais afastado no mapa pode te dar informações que te darão uma vantagem para conseguir o que é necessário na base que você realmente deve se infiltrar.

Até mesmo a infiltração teve suas possibilidades expandidas de forma abismal. Ações simples também colocam Snake um passo à frente: você pode interrogar um guarda e tirar dele a localização de seus colegas. O jogo ainda usa um estranho “formato” episódico para demarcar as missões: ao início, vemos os nomes dos personagens envolvidos na ação e, ao fim, são creditados os diretores e roteiristas envolvidos naquele segmento.

Poder explorar o cenário e escolher quais missões se quer fazer já é ótimo por si só, mas ficou ainda mais intrigante a maneira como Kojima integrou o roteiro a isso tudo. A progressão da narrativa não é nada linear. Algumas cutscenes e chamadas de coadjuvantes como Ocelot ou Miller surgiram aleatoriamente e, surpreendentemente, a missão que desbloqueou o segundo cenário e avançou a trama é uma side op, deixando ainda duas missões principais a serem cumpridas no Afeganistão.

Além do cumprimento das missões, Phantom Pain também resgata de Peace Walker o metajogo da Mother Base, o complexo paramilitar chefiado por Big Boss que dá suporte a suas operações. O jogo começa com uma base bem tímida e, assim como em PW, cabe a você aumentar o seu exército recrutando soldados no campo de batalha utilizando o método de resgate Fulton - basicamente, Snake acopla um balão que infla rápido, levando o objeto aos céus.

No melhor estilo Kojima, praticamente tudo pode ser enviado a sua base via Fulton, de pessoas a equipamentos como morteiros, carros, tanques (embora você precise dar um upgrade nos balões) até animais. No começo do jogo, dá vontade de enviar tudo o que se vê pela frente - palavra de quem, em menos de duas horas, tinha três cachorros, cinco ratos, duas cabras e uma ovelha na própria base.

Os soldados têm habilidades especiais que os adequam melhor a cada equipe da base. Elas podem subir de nível e, com isso, você ganha habilidades melhores - por exemplo, um dos recrutas que capturei era intérprete de russo para inglês. Só depois de trazê-lo para a Mother Base pude entender o que os inimigos russos diziam, o que facillitou diversas missões minhas tempos depois.

Quanto mais soldados (e melhores) você recruta, melhor sua base fica, e, por consequência, Snake também fica mais bem equipado. Muitas das side ops são relacionadas à evolução da Mother Base, ressaltando ainda mais a sua importância dentro do game. O método de captura de soldados e equipamentos, claro, nem sempre funciona - seu sucesso depende se os inimigos estão em modo de alerta ou não, do tempo, entre outros fatores.

A combinação da divisão de missões (entre principais e secundárias) e a evolução da Mother Base é muito bem equilibrada. Quem pular as side ops terá muito mais dificuldade em avançar a história, mas tudo é integrado de forma tão eficiente que melhorar a sua base é tão divertido quanto saber o que acontece na trama. Isso é um alívio e uma lição em muitas produtoras que adoram estufar seus jogos de mundo aberto com dezenas de quests e colecionáveis inúteis (Assassin’s Creed, estou falando de você).

Fora os soldados, Snake também recebe a ajuda especial de um parceiro que o acompanha nas missões. Inicialmente, ele é apenas o cavalo D-Horse, mas outros são desbloqueados no decorrer da história. Durante a sessão, consegui liberar mais dois companheiros: o adorável cachorro/lobo DD e a personagem Quiet (cujo primeiro encontro com Snake no decorrer do jogo, inclusive, é um espetáculo).

Cada um ajuda Snake de uma forma diferente: DD fareja inimigos e itens à distância, enquanto a bela sniper pode matar alguns soldados e liberar seu caminho. Mas o jogo é bem equilibrado, de modo que as habilidades deles são complementares. Cada missão exige um tipo diferente de parceiro, garantindo um saudável revezamento e, novamente, a liberdade de escolha.

O vasto mundo aberto de Phantom Pain é prazeroso de jogar e também de se ver. A build mostrada pela Konami no evento parece bem próxima de uma versão finalizada do game e já indica que tanto tempo desenvolvendo a Fox Engine valeu à pena para a Kojima Productions, que pôde demonstrar todo o potencial do motor com ciclos de noite e dia distintos com uma das iluminações mais realistas que já vi.

O clima também é um espetáculo à parte. De tempestades de areia a chuvas constantes, o tempo pode mudar de forma imprevisivel, mudando o cenário não apenas graficamente, mas também dentro do jogo: tempestades e chuvas diminuem a sua visibilidade, mas diminuem suas chances de ser detectado pelos inimigos, que também não conseguem ver direito. A movimentação e animação dos modelos de Snake e dos soldados também está visivelmente mais refinada em relação a Ground Zeroes.

E tudo isso apareceu para mim apenas em uma fração do mapa. Saí de lá com o pressentimento de que mal comecei a explorar tudo o que os cenários do game tem a oferecer. Ao final da sessão, tivemos um último fato surpreendente. Joguei o game por 16h, divididas em duas sessões quase ininterruptas de oito horas por dia. Ao final, fomos orientados a voltar à tela principal, para checar o nosso progresso. Mesmo com tanta exploração, eu havia completado apenas 13% do jogo.

Metal Gear Solid V: The Phantom Pain chega em 1º de setembro para PlayStation 4PlayStation 3Xbox One Xbox 360 (a versão de PC chega no dia 15), e eu mal posso esperar para ver os 87% que faltam.