Em Ghost Recon Wildlands, novo jogo da franquia de infiltração e espionagem inspirada na obra de Tom Clancy, temos a chance de experimentar esse universo sob as regras do subgênero do "Mundo Aberto Ubisoft". A empresa francesa, afinal, refina sua concepção de game sandbox a cada título, aperfeiçoando a jogabilidade dentro desses espaços, ao mesmo tempo em que exige aqui uma relação quase contemplativa dos níveis e desafios.

Jogos de mundo aberto costumam valorizar as diferentes formas de abordagem possível a um desafio. Do "entre atirando" ao "invada furtivamente" há diversão para todos os gostos. Mas no realismo de Ghost Recon Wildlands, porém, o planejamento é quase obrigatório. Mesmo os encontros mais casuais - uma patrulha de estrada, por exemplo - podem resultar no fim da missão. Morre-se muito fácil no game, o que exige uma dose adicional de cuidado e estratégia, daí a abordagem contemplativa à ação.



Você passará horas rastejando em Ghost Recon Wildlands. E o mesmo número delas pilotando seu drone para marcar alvos e observar o cotidiano da base inimiga ou povoado adiante. A inteligência artificial dos oponentes é muito boa e raramente os oponentes mantêm-se em uma rota óbvia e pré-determinada de patrulha. Pude observar, para o meu espanto, um operador de metralhadora montada, sabe-se lá o motivo, abandonar seu posto em uma torre reforçada, subir em um jipe e ir embora para o outro extremo da base. O que seria um desafio grande foi resolvido pela mão invisível do desígnio do próprio personagem. Celebrei.

Sorte é algo raro no game, porém. Muito mais comum, especialmente conforme a missão avança, é ser surpreendido e ter que lutar com dezenas de inimigos e seus reforços por um objetivo que adicionará uma pequena fração de sucesso na resolução da trama do jogo.

A história do game é polêmica, aliás. Nele, uma facção paramilitar, a Santa Blanca, torna-se o primeiro estado narcoterrorista do mundo, cooperando através da corrupção e poder com o governo em ruínas. O país em questão é uma Bolívia empobrecida e à mercê dessa milícia. Entra em cena um quarteto estadunidense de soldados de elite, com a missão de desbaratar a organização inteira, do soldado mais raso aos tenentes, generais e o grande pilar central da Santa Blanca, o líder chamado El Sueño, personagem que parece um refugo da série Far Cry. Para tanto, os quatro soldados devem colaborar com rebeldes locais.



Troque as drogas por petróleo e fanatismo religioso, a América do Sul pelo Oriente Médio e Pac Katari, o líder dos rebeldes, por Osama Bin Laden e você poderia ter Ghost Recon: Talebã Edition. Volte algumas décadas e poderia ser Cuba Edition, e por aí vai. É um tanto desintonizada com a sensibilidade atual a ideia de mais uma vez colocar o jogador no papel de um salvador externo Made in USA e usar como ambientação uma nação real, mas é inegável que é o jogo é extremamente divertido. Que me perdoem os bolivianos.

O cenário real, afinal, agrega muito à exploração estofada por conteúdo, algo que a Ubi sabe fazer muito bem. Em seus melhores jogos, a empresa propõe uma percepção bastante particular dos círculos de poder e do entorno. Aqui essa dinâmica fica no nível dos Assassin's Creed em termos de criação narrativa e volume de material a ser assistido ou lido sobre os personagens e situações.

O mapa acompanha essa carga maciça de conteúdo, com uma campanha enorme repleta de bases e missões. A estrutura de desestabilização do poder, uma forma de mascarar as já clássicas "Ubi Towers", consegue criar uma bem-vinda sensação de investigação constante, em busca de El Sueño, chefão escondido em algum lugar da Bolívia.



A escala do game, no entanto, não vem sem problemas. Os veículos são um tanto ridículos - dá pra descer montanhas acelerando um Chevette, voar como um míssil montado em motos ignorando obstáculos e usar qualquer carrinho em perseguições a caminhões-tanque. Para um jogo que preza pelo realismo, os veículos são bastante desleixados. O ambiente também não é influenciado pela presença do jogador (atravessam-se quase todos os tipos de vegetação como se não estivessem ali) e as interações com os NPCs são patéticas. Eles praticamente não reagem, mesmo quando são arrancados de seus carros em nome da liberdade oferecida. Se são mortos sem querer, tudo o que o jogador terá é um pito de um de seus colegas. "Cuidado aí!". Só não dá pra exagerar... mas um daninho colateral é de boa.

Há muita repetição de diálogo e nas rádios dos carros (em inglês e não espanhol) também. O investimento na história foi alto, mas o jogo em si entrega péssima ambientação cultural.

A princípio parece que o mesmo pode ser dito das missões. As secundárias são mesmo bastante parecidas, mas a narrativa principal traz variedade na forma da mencionada investigação - com encontros legais ao final. E o desafio aumenta gradativamente, o que mantém o game interessante e divertido horas e horas, independente de seus defeitos e sensibilidade torta.

Ghost Recon Wildlands está disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC. O jogo foi testado em um PlayStation 4. Clique no nome da plataforma para conferir o preço do jogo em sua versão digital.

Nota do crítico