Yakuza 0 | Crítica
O submundo japonês como poucos conseguem apresentar
Respeito. Esse era o objetivo de vida daqueles dois pivetes que residiam no Orfanato Sunshine. Serem cumprimentados enquanto andavam pelas ruas, tratados como iguais perante a sociedade, não sendo vistos mais como párias sem eira nem beira. Para ambos, que nunca tiveram nada nessa vida, optaram por querer algo bastante complicado, já que não existem atalhos para ser respeitado. É preciso merecê-lo. E os dois fariam de tudo para tal, mesmo que para isso, precisassem entrar na máfia japonesa. Só que nem de longe eles imaginavam quão difícil seria aquela vida.
Yakuza 0 é um prólogo da famosa franquia criada e dirigida por Toshihiro Nagoshi, cujo herói principal é um ex-mafioso que vive da forma que acha mais correto e honrado. Até o momento já existem sete jogos principais, alguns remakes e muitos spin-offs. Tem jogo para uma vida.
A parte boa é que começar com Yakuza 0 faz todo sentido em termos de narrativa. No entanto, ele é o sexto jogo (da cronologia oficial) apresentado ao jogador, e por isso, era óbvio que easter eggs no passado de Kazuma Kiryu seriam salpicados no decorrer da nova trama. E, preciso ressaltar, todas as brincadeiras envolvendo o futuro dos personagens na série foram inseridas impecavelmente no decorrer das suas andanças por Kamurocho e Sotenbori. Sorte a sua que já viveu em outros jogos um pouco dessa criminalidade gamer.
Conhecer o passado do yakuza mais honesto que se tem conhecimento no mundo dos videogames é incrível. A nova trama amarra todas as pontas que levaram aos acontecimentos do primeiro game da série (que será lançado em sua versão remake no meio do ano aqui no ocidente), seu relacionamento com Akira Nishikiyama, melhor amigo e irmão jurado, e o encarceramento de Kiryu por 10 longos anos. Agora, saber como um dos maiores antagonistas da série, rival e amigo do herói, conhecido por “Mad Dog” por todo o submundo japonês, Goro Majima, veio a se tornar o homem que conhecemos nos jogos mais recentes, a isto sim, brindemos com louvor.
Aos que já experimentaram o quarto jogo principal da série, é de um reconforto tremendo saber que toda a história envolvendo Taiga Saejima, um dos protagonistas de Yakuza 4, e que se inicia em 1985, não foi deixada de lado. Afinal, Yakuza 0 acontece apenas três anos depois, e as consequências do ocorrido não foram deixadas de lado em nenhum momento da trama atual.
Com Kiryu precisamos provar sua inocência, já que foi acusado injustamente de um assassinado e precisou deixar de lado seus laços com a família de mafiosos para investigar o caso. Majima, por outro lado, banido do clã Tojo, luta para reconquistar seu espaço na família Shimano a qualquer preço, mesmo que para isso precise se tornar um assassino.
Acompanhar uma história dentro do universo de Yakuza é complicado, imagine só duas. Isto porque são muitas as distrações: casas de fliperamas, restaurantes, bares, karaokês, discotecas, “snack bars”, pontos de pescaria, boliche, casas de shougi, de apostas, jogos de azar no geral, autoramas, namoros, gerenciamentos de propriedades, clubes privados e (muitas) missões paralelas, entre outras coisas.
Claro que não quis dizer isso como um ponto negativo, mas sim como um aviso. Abandonar as coisas que o jogo oferece em prol da história principal é um erro. Tudo está interligado de alguma maneira, e cada trecho extra que pipoca no caminho dos protagonistas deve ser apreciado sem pressa.
Por mais fora de contexto que possa parecer, possivelmente destruindo certos momentos de tensão da história (o mal de todo jogo de mundo aberto), abra sua mente e considere o esforço como um sacrifício digno. Cada cantinho da nova Kamurocho merece ser explorado e absorvido. E depois, sempre rola uma recapitulação dos acontecimentos para te colocar no climão mais uma vez. E é climão o jogo inteiro.
Quando disse ali “nova Kamurocho”, quis dizer “velha”, porque certos lugares estão diferentes. Mas é o mesmo lugar que já nos habituamos nos demais jogos da série. Diminuto, já que certos edifícios ainda não haviam sido construídos em 1988 (Millenium Tower, estou falando de você). E já que tocamos no assunto, o terreno baldio dedicado ao espaço da torre é o principal foco da atenção de todos os mafiosos do Japão naquele momento.
O famigerado distrito de Tokyo nunca esteve mais bonito. Ruas movimentadas, muito neon nas placas dos estabelecimentos, garotas de programa que sussurram ao seus ouvidos “Ah… Estou tão triste, venha me fazer companhia até amanhã cedo”, lixo entulhado em cada esquina, violência e claro, muito dinheiro em circulação. A quantidade de detalhes faz jus à primeira aparição do bairro no PlayStation 4 (o game também está está disponível para PlayStation 3, mas só no Japão).
O jogo também nos apresenta de forma simples e eficiente, uma aula básica da economia japonesa no final dos anos 80. A bolha econômica do Japão estava para estourar, e uma prosperidade assustadora pairava sobre aqueles japoneses que gastavam dinheiro como se não houvesse amanhã. As “Zaibatsus”, ou grandes corporações, estavam tomando forma, os altos preços do mercado imobiliário da época, o surgimento dos “salaryman”, uma das maiores expectativas de vida do mundo, e a maior quantidade de moeda em circulação que o Japão já viu (o plano Marshall foi um grande facilitador neste quesito).
Eram anos dourados e Yakuza 0 tenta mostrar isso com simplicidade e sutileza. Sempre que esmurramos algum mafioso ou delinquente comum, a quantia de dinheiro recebida como prêmio da luta é um absurdo. Um combate simples pode gerar até 250 mil ienes. Em jogos normais da franquia, uma quantidade dessas levaria horas para ser acumulada.
E não só isso. Cada soco que acerta o adversário gera uma chuva de notas de 10 mil ienes (a nota mais alta da moeda japonesa). Por conta disso, todo o novo sistema de evolução do personagem envolve dinheiro também, e não mais pontos de evolução. E são evoluções caríssimas, na casa dos 300 milhões de ienes. Parece muito, mas chega um determinado momento no jogo que é possível acumular cerca de 200 milhões a cada cinco minutos, então, faça as contas. São muitos zeros.
Kiryu e Majima contam com três estilos de luta cada. Além do estilo de luta de rua tradicional, disponível para ambos, Kiryu conta com suas técnicas de boxeador e um estilo selvagem que explora o uso dos itens espalhados pelo cenário (caixas, cones, placas de trânsito, motocicletas, o básico). Já Majima tem movimentos nada ortodoxos inspirados no Break Dance e um estilo de luta armado com um bastão (o melhor para lidar com multidões, na minha opinião). Cada uma dessas vertentes pode ser evoluída e aperfeiçoada ao gosto do jogador, basta desembolsar pequenas fortunas para isso. “Investir em si próprio”, é o que o jogo recomenda incisivamente.
Um dos pontos mais elogiados de todos os games da série Yakuza são os minigames. Cada esquina revela uma surpresa nova para tentar. E todas elas valem cada minuto da sua atenção. A novidade fica por conta de um modo online para a disputa entre jogadores de alguns desses passatempos. Durante os testes o modo online não estava funcionando, mas estará quando você estiver lendo esta crítica.
Passar algumas horas numa mesa de Black Jack ou arremessando dardos, sempre com apostas milionárias, mexem com o nosso coração. Partidas de shogi (“xadrez japonês”), corridas na pista de autorama (com tuning dos carrinhos e tudo), boliche e até mesmo fliperamas (desta vez contamos com OutRun e Space Harrier, dois clássicos da SEGA), possuem suas próprias mecânicas e são bastante atrativos. É preciso dar boas voltas em Kamurocho e Sotenbori (bairro similar, só que em Osaka) para encontrar tudo que esses distritos disponibilizam.
É tanto conteúdo extra que nos é apresentado durante o jogo que as novidades acompanham o jogador até mais ou menos o capítulo oito da aventura. Dois minigames especiais, ambos voltados para o gerenciamento de negócios, merecem um cuidado especial.
Com Kiryu é preciso cuidar do seu bairro negociando a compra e o recolhimento de renda de certos estabelecimentos, tudo para desbancar um bando de bilionários que mandam na região. Com Majima, é preciso administrar um cabaret, ensinando as garotas a trabalhar e atender seus visitantes, atender às suas necessidades como garçom e cuidar do bom humor de todos no local. Sem dúvida o melhor minigame do jogo.
Yakuza 0 é uma experiência de jogo única, e provavelmente bastante diferente com o que se está habituado a encontrar num jogo de mundo aberto no ocidente. Com uma história empolgante, personagens carismáticos que carregam seus próprios conceitos de justiça e moralidade, um visual oitentista de dar inveja ao guarda-roupa mais vintage que você já viu, ele é a sua melhor oportunidade de conhecer a série e, porque não, um pouco do Japão.
Yakuza 0 está disponível para PlayStation 4 e PlayStation 3 (somente no Japão). O jogo foi testado em um PlayStation 4. Clique no nome das plataformas para conferir o preço em versão digital.