Como todo bom quebra-cabeças, The Witness demora a entregar o encaixe de todas as suas peças a quem se propõe a completá-lo. Mas, entre as várias dúvidas levantadas pelo game (com ênfase no várias), inegávelmente uma delas se sobressai: qual o sentido disso tudo? Depois de passar dezenas de horas em sua deslumbrante ilha e resolver quase 500 paineis de diversas cores, formatos e padrões, eu ainda não sei.

A capacidade de desafiar o nosso intelecto e deixar mais perguntas do que respostas é algo esperado de um game de Jonathan Blow, cujo incontestável talento para desconstruir nossa percepção foi provado com louvor em Braid, título de 2008 responsável por catapultar os jogos independentes à audiência mais ampla dos jogadores de console. Mas esta é a única característica que une seu cultuado jogo de estreia a The Witness, em desenvolvimento desde 2009.

Descrever o jogo de uma maneira objetiva sequer faz jus ao que ele proporciona, mas aí vai: The Witness começa apresentando sua única mecânica - solucionar quebra-cabeças em grades utilizando um feixe de luz controlável. Estes desafios se encontram em paineis interconectados e espalhados por uma ilha repleta de cenários diferentes: uma praia, uma floresta, um castelo, um ateliê, uma vila, um templo, entre outros.

Solucionar os mistérios por trás destes paineis, a princípio, dá uma sensação similar a de resolver um exercício de matemática. Tudo começa simples: você aprende como levar o feixe de luz de um ponto a outro, aprende algumas regras básicas, ok. De repente, as mesmas regras são utilizadas para formular um desafio aparentemente impossível de se solucionar, daqueles que levam horas do seu tempo e fazem você rachar a cabeça. Até que você descobre a resposta - algumas vezes, mais óbvia do que você imagina.

Esse processo de desafio e recompensa por cada painel solucionado se repete ad infinitum por cerca de 650 quebra-cabeças espalhados pelo jogo e evidencia, acima de tudo, a engenhosidade do mundo construído por Blow e sua equipe, tanto na parte gráfica como em sua arquitetura. A ilha parece pequena, mas é incrívelmente densa em cada uma de suas áreas, que, pouco a pouco, te ensinam, como quem leciona uma disciplina de ciências exatas, as regras necessárias para completar os desafios e desbloquear mais caminhos, utilizando-se do cenário como elemento crucial da resolução dos mistérios, de formas surpreendemente criativas.

Ciência versus fé

Enquanto toda esta parte “mecânica” do game se desenrola, as grandes questões continuam lá. Por que fomos parar naquele local? O que são as estátuas das pessoas espalhadas pelo cenário? O que querem dizer as mensagens de áudio e vídeo escondidas em cantos quase inatingíveis? Se há uma história em The Witness, ela nunca é contada diretamente.

O adventure Myst, de 1993, que também se passa em uma ilha misteriosa, é uma clara referência - admitida, inclusive, pelo próprio Blow. Mas, ao contrário do clássico criado pelos irmãos Robyn e Rand Miller, no qual as respostas para as perguntas eram alcançáveis ainda que estivessem escondidas em pixels, The Witness deixa suas perguntas em aberto, etéreas, escancaradas e inexistentes ao mesmo tempo.

No primeiro dos vídeos que você encontra no jogo - o trecho final do episódio “Yesterday, Tomorrow and You”, da série de documentários Connections, da BBC -, o historiador britânico James Burke diz que, em sua melhor forma, os produtos da emoção humana - literatura, arte, política, entre outros - são interpretações do mundo que dizem mais sobre a pessoa que está falando do que o mundo em si.

Neste ponto, os registros audiovisuais, que transitam entre a sabedoria concreta da ciência e a necessidade de acreditar em algo superior advinda da fé, acabam servindo mais para revelar o que se passa na mente de Blow do que se há algum sentido em tudo. Tanto nos desafios aparentemente impossíveis dos paineis quanto em suas questões mais profundas, The Witness não se interessa em fornecer respostas. Ele apenas quer que você pense.

The Witness está disponível para PlayStation 4 e PC. Uma versão para iOS será lançada posteriormente. O game foi testado em um PlayStation 4.

Nota do crítico