Motivo de piada na divulgação do seu primeiro trailer, The King of Fighters XIV é como se fosse aquele garotinho franzino dos animes de esporte, que dá a volta por cima e acaba se tornando a peça chave para a vitória da sua equipe.

Em seu anúncio durante a Tokyo Game Show 2015, confesso que foi difícil manter qualquer tipo de esperança. A transição dos belíssimos e já famosos sprites (ou animações em alta definição, no caso de KOFXIII) para o visual 3D tradicional, muito aquém da realidade dos jogos atuais foi decepcionante. Um anúncio precipitado talvez, feito por uma empresa que, assim como o jogo, também estava se reformulando e achava que apenas o nome The King of Fighters pudesse garantir algum sucesso. Só garantiu vaias.

Mas o jogo saiu, por ironia do destino conseguiu se aproveitar de algumas críticas negativas envolvendo o concorrente e rival Street Fighter e já pode até ser considerado um forte concorrente a melhor jogo de luta do ano. Como isso aconteceu?

KOFXIV deixou de lado um pouco da complexidade do seu antecessor e apostou num jogo mais simples. Tão simples que a série até inseriu, pela primeira vez na franquia, o Rush Combo, que nada mais são que combos automáticos - apenas pressionando o "quadrado" é possível criar sequências de três golpes mais um ataque especial (ou super, dependendo da sua barra de poder).

Dois jeitos de lutar

O combate segue por duas vertentes. Uma mais tradicional, evocando os princípios e metodologias similares a KOF98, com uma cadência já conhecida, utilizando muito os "command normals" ou golpes normais que são acionados posicionando o direcional para frente, trás ou diagonais inferiores, e os ataques especiais.

Os DMs (Danger Moves) seguem com o padrão instaurado desde 1997. Em suas versões normais, consomem uma barra de poder. Com sua versão SDM (Super Danger Move), consomem duas barras. Já os Climax, especiais secretos mais fortes, consomem três barras.

A vertente que nasce em KOFXIV acontece quando o MAX Mode é ativado. Estourando uma de suas barras de poder, seu personagem tem acesso aos golpes especiais EX. Esses golpes EX, realizados com dois botões do mesmo tipo (dois socoso ou chutes), dão novas propriedades aos golpes especiais, como um juggle extra (quicar no ar) ou um "bounce" (quicar no chão), entre outras coisas. Isso faz com que os combos sejam prolongados e novas combinações passem a funcionar dentro do game.

Ao contrário dos golpes EX de KOFXIII, em KOFXIV os ataques não consomem uma barra de poder, mas sim uma parte da que foi estourada. O mesmo acontece com os DMs, que acabam assumindo sua versão SDM e gastam apenas uma barra do estoque. Os Climax passam gastar duas barras também.

Existem também três formas de cancelar seus ataques em especiais. Os Super Cancels funcionam quando cancelamos um golpe especial num DM. Os Advanced Cancels quando cancelamos um DM num SDM, e os Climax Cancels quando cancelamos um SDM em um Climax. É bom lembrar que é impossível cancelar um golpe na versão super dele mesmo, é preciso variar. E tudo isso pode ser feito com ou sem o MAX Mode ativado (gastamos menos barras com ele ativado).

Em suma, o Max Mode é a técnica que todo jogador precisa aprender para poder evoluir no game. Apesar dos combos normais serem eficientes, são os combos em Max Mode que vão ditar o curso do combate e fazer o amiguinho gritar 'olha o apelão'.

Campanha à moda antiga

Para o jogador que se amarra em jogar sozinho, destravar personagens, fazer todos os finais do jogo, KOFXIV tem bastante coisa até. Um modo arcade disfarçado de 'Story Mode', deixa o jogador escolher um dentre os 16 times oficiais do jogo. Quer jogar com time editado? Pode também, só não vai ter final especial (e nem final secreto, infelizmente).

A história é contada exatamente como era contada na época dos fliperamas. A SNK, responsável por semear a importância de uma trama bem escrita dentro de um jogo de luta, coloca seu último jogo no mercado sem novidades dentro desse escopo, escolhendo o formato mais tradicional possível. Encontre o prelúdio em texto para os times do jogo lá no site oficial do jogo (antigamente essas histórias eram contadas em databooks especiais, vendidos apenas no Japão e traduzidos por fãs), jogue até enfrentar o chefão e depois assista a uma sequência de imagens estáticas com texto embaixo, explicando o que aconteceu. Clássico.

E há uma metáfora a ser explorada aqui.

Assim como em 1994, quando a empresa estava se firmando como a principal concorrente da Capcom no mercado de jogos de luta, a SNK de agora é uma empresa completamente nova. Recém adquirida por um conglomerado chinês, ela precisa reaprender a andar, reconquistar seus fãs e atiçar a curiosidade de novos jogadores. KOFXIV carrega a mesma inocência que o primeiro jogo da franquia, sem surpresas, sem reinventar a roda. Talvez não cole tão bem quanto colou na época, já que estamos falando de 22 anos de evolução.

Isso pode decepcionar algumas pessoas que estavam crentes de encontrar uma história hollywoodiana, aos moldes de Mortal Kombat X (a franquia virou referência para o modo história dos jogos de luta desde 2011) ou do próprio Street Fighter V. As novas animações em CGs existem, mas no geral servem apenas para introduzir os dois chefes do jogo. Se serve de consolo, alguns times destravam as mesmas CGs tradicionais, mas com participações extras. É só seguir a história principal.

Não é como se The King of Fighters não tivesse tentado algo do tipo em nenhum momento. Em 2011, o modo história foi implementado em KOFXIII, mas o formato visual novel não agradou muito os jogadores ocidentais, não acostumados com o formato japonês. E na real, não era nada divertido mesmo. Desta vez optaram pelo que já sabiam fazer.

O novo (e velho) elenco

Antonov, o novo organizador do torneio, é um personagem bizarro. Ele se auto intitulou o Primeiro Campeão do Rei dos Lutadores e organizou um novo torneio para que os lutadores pudessem chegar e desafiá-lo. Debaixo das cortinas do grande campeonato, uma força misteriosa começa a se movimentar, causando caos e distúrbios até mesmo no tempo e espaço. E tudo parece estar relacionado com o protagonista do game, Shun'Ei, um dos novos discípulos de Tung Fu Rue.

Os 48 personagens do jogo estão bem divertidos. Cedo para falar sobre balanceamentos no geral, mas o retorno de algumas figuras clássicas da série, mais o acréscimo de 18 novos personagens (sem contar os dois chefes), inéditos na série, já coloca KOFXIV como o recordista da franquia.

A maior parte do elenco passou por mudanças. A versão de Kyo que anteriormente só seria disponibilizada DLC agora é a principal do jogo. Iori retorna basicamente o mesmo, mas com novos golpes. Ramon e Angel não mudaram desde a versão Ultimate de KOF2002. Geese Howard está um pouco diferente, mas forte como sempre. E por aí vai.

O ninja brasileiro Bandeiras é divertido e tem momentos engraçados com alguns personagens do jogo. Alice, fã de Terry Bogard (e que por pouco não foi a protagonista de Garou: Mark of the Wolves na época) expele moedas sempre que seus golpes acertam (como uma referência a sua origem dos pachinkos), e Shun'Ei é literalmente o capeta em forma de guri. Vale a pena dar uma conferida em todo o elenco e prestar muita atenção aos finais do jogo, que remetem instantaneamente a uma continuação.

Os modos de jogo

O jogo ainda conta com um modo para treino, desafios no formato de trials, survival e time attack, modo versus offline e, claro, online. Durante os testes, o modo online estava praticamente abandonado, já que poucos jornalistas tiveram acesso ao game. Mesmo as cópias vazadas do game não facilitaram a procura por lutas, já que a maioria aconteceu fora do Brasil. E não dá para dizer se o online de um jogo de luta é competente o suficiente se testado apenas contra estrangeiros.

As poucas lutas que tive contra brasileiros, no entanto, se mostraram ruinzinhas. O jogo parecia estar embaixo d'água, com os personagens se movimentando de forma um pouco mais lenta que o normal. Comparando com as informações fornecidas pelos americanos, tudo indica que o netcode deve ser bacana, mas não é otimizado para conexões como as encontradas no Brasil. Ela deve requerer grandes taxas de upload, talvez. Uma coisa é certa: mudou bastante com o cabo conectado direto no PS4.

The King of Fighters XIV parece ser um bom recomeço para a franquia. O combate simples e eficiente deve atrair a atenção de alguns jogadores casuais que se divertiram na década de 90 com o jogo. Os 50 personagens devem dar aquela prolongada na vida do game, já que o novo formato de trabalho das empresas impossibilita uma série anual, e há muito o que se destravar no modo offline, com uma mega galeria super completa com ilustrações de toda a franquia, nostalgia pura.

The King of Fighters será lançado em 23 de agosto para PlayStation 4. Clique aqui para ver o preço da versão digital na PlayStation Store.

Nota do crítico