ABZÛ | Crítica
20,000 léguas submarinas
A maneira mais fácil de explicar ABZÛ é dizer que ele é Journey no oceano. Os desertos foram trocados pelas profundezas do mar, e apesar de ser uma comparação justíssima, o jogo desenvolvido pela Giant Squid mostra uma grande personalidade própria e é uma experiência única dentro dos lançamentos de 2016 até agora.
Você é um mergulhador (ou mergulhadora) misterioso que se encontra no meio do oceano por razões desconhecidas. Sua única escolha é nadar para frente e ver o que te espera. Então você nada, e continua a nadar, e nada um pouco mais até chegar no final da jornada.
ABZÛ é tremendamente simples na sua jogabilidade. Há alguns puzzles que são resolvidos sem muita dificuldade e colecionáveis no caminho, mas você vai passar a maior parte do tempo movendo o análogico para frente. A grandeza do jogo vem não dos botões que ele te faz apertar, mas do que você testemunha enquanto os aperta.
Ao contrário de Journey, ABZÛ não se passa num ambiente sem vida. O oceano está repleto de peixes de todo tipo, desde alguns que você vai reconhecer daquele documentário sobre a vida marinha que assistiu na Netlflix um dia, até criaturas que nenhum ser vivo jamais chegou perto. É impressionante ver a variedade de animais que o mergulhador encontra nas áreas que explora.
Enquanto você está lá, é possível vê-los nadando, se alimentando, dando saltos pra fora d'água. A palavra ecossistema se encaixa muito bem aqui, porque há uma distinta sensação de que estamos testemunhando algo vivo e muito maior do que nós. Que estamos invadindo um mundo alien, onde nossa pequena figura é apenas uma onda que se extingue ao chegar na praia.
É poético que ABZÛ tenha sido lançado neste momento onde o Brasil e o mundo parecem estar caindo cada vez mais no caos. No jogo, o clima é quase terapeutico. Há locais onde é possível entrar num estado de meditação, no qual ABZÛ disponibilia uma espécie de aquário para observer todas as espécies presentes naquela área. Uma vez desbloqueado, isso pode ser acessado até do menu principal, permitindo que o jogador observe cada lado deste universo com calma e detalhes.
E é um mundo lindo de se observar. A direção artística - comanda por Matt Nava, o mesmo de Journey - é de cair o queixo. Cada área de ABZÛ parece ter saído de um continente diferente do planeta. São paisagens dignas de pinturas, com cores vibrantes e aparências distintas que nunca deixam o jogo ficar repetitivo visualmente.
A composição de câmera de ABZÛ também é impressionante, preparando momentos icônicos que vão ficar cravado na sua memória depois que você completar o tour de aproximadamente 2 horas pelo oceano que é a campanha. A Giant Squid esconde surpresas gigantes em certos momentos, e quando elas são revelados, é impossível conter o sorriso que surge no rosto.
Enquanto você faz seu turismo submarino ABZÛ conta uma história que nunca fica explícita, mas cuja ideia principal pode ser facilmente compreendida. O jogo deixa a porta da interpretação aberta em algumas questões como a natureza de certos elementos da narrativa, mas o tema fica bem claro.
Esse é um dos raros casos onde mais subjetividade seria bem-vinda, mas a experiência como um todo não deixa de ser agradável. Aliás, essa é a melhor palavra para descrever ABZÛ.
Finalmente, é preciso falar da trilha sonora de Austin Wintory, o compositor que foi indicado ao Grammy pelo seu trabalho em Journey. Ele trabalha com uma orquestra aqui, e o uso de vozes e instrumentos de corda pontua perfeitamente a experiência criando climas que se adequam muito bem ao jogo, seja uma música que passa a ideia de curiosidade nas horas de exploração, de tristeza nos momentos mais dramáticos, ou de grandiosidade quando toda a vida oceânica está vibrando ao seu redor.
ABZÛ não é Journey, nem em qualidade e nem em propósito, mas ambos jogos compartilham muitas das mesmas qualidades - algo que era de se esperar já que algumas pessoas trabalharam nos dois projetos - e é difícil encontrar outra aventura submarina que passe a mesma sensação que ABZÛ. Em tempos difíceis, o jogo se destaca por nos deixar testemunhar o milagre da vida, mesmo que em um ambiente virtual.
ABZÛ está disponível para PlayStation 4 e PC (Steam). O game foi testado em um PlayStation 4. Clique no nome das plataformas para conferir seu preço em suas versões digitais.