Ana Moserex-jogadora de vôlei e nova ministra do Esporte, mostrou profundo desconhecimento do que são e como funcionam os esportes eletrônicos - algo que vem se mostrando comum na política brasileira. Em entrevista ao UOL, ela discordou da premissa de que esport é esporte e o problema não está na discordância e sim nos argumentos rasos e imprecisos utilizados.

Neste opinativo, sob responsabilidade do jornalista que vos escreve, vou destrinchar as falas da ministra e contrapor os argumentos de acordo com minha vivência de mais de oito anos trabalhando na área - e o triplo disso jogando.

Esporte eletrônico é esporte ou entretenimento?

A ministra afirmou que não está nos seus planos investir nos esportes eletrônicos, pois isso não está na sua alçada. Afinal, ela não considera os esports como esporte e sim como entretenimento. Veja o que foi dito:

"A meu ver o esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento, não é esporte. Então você se diverte jogando videogame, você se divertiu. O atleta de esports treina, mas a Ivete Sangalo também treina para dar show e ele não é atleta, ela é uma artista que trabalha com entretenimento."

Neste primeiro trecho, identificamos algumas inconsistências no que é dito. Primeiro quando fala-se sobre diversão, já que futebol é esporte e você pode tranquilamente jogar com seus amigos, na quadra do seu bairro, com o único intuito de se divertir. O objetivo ser diversão, não invalida a prática do esporte.

Da mesma forma que podemos comparar as duas modalidades facilmente em uma prática amadora, com o intuito de se divertir, podemos fazer o mesmo no âmbito semiprofissional e profissional. Seja no futebol ou nos esports, quando falamos de profissionalismo, se divertir fica em último plano.

E é aqui que chegamos na parte mais imprecisa, que é a comparação com a cantora Ivete Sangalo. Como a ministra bem disse, Ivete treina para dar show. Perfeito. Já os jogadores de CS:GO e futebol, por exemplo, não treinam para dar show e sim para atingir o mais alto nível de performance, competir e vencer.

Os objetivos de um Major de CS:GO e de uma Liga dos Campeões, são os mesmos. O de um show de música é outro, completamente diferente. Não há comparação.

Jogos eletrônicos realmente são previsíveis? 

Ana Moser também falou sobre a previsibilidade dos jogos eletrônicos: "O jogo eletrônico não é imprevisível, ele é desenhado por uma programação digital, cibernética. É uma programação, ela é fechada, diferente do esporte".

Aqui posso estar enganado, mas parece que ela fala pensando em jogos single player. Algo comum no cenário político e que me remete às audiências públicas, anos atrás, sobre a regulamentação do esporte eletrônico no Brasil. Enquanto representantes do esport falavam sobre esport, um político aleatório surgia falando sobre modo campanha de GTA...

De fato, jogos de campanha são previsíveis e no final todos passam pelas mesmas fases, dificuldades e obtém o mesmo final - ao menos por padrão. No entanto, não é assim que o esporte eletrônico funciona.

No basquete, o fator imprevisibilidade não está na bola ou na quadra. Está nos jogadores. Nos esports acontece o mesmo e a imprevisibilidade está lá há todo momento exatamente pelo fator humano da coisa - afinal, o jogo não é jogado sozinho.

No CS, no LoL, no Rainbow Six, no Apex, no Fortnite e em tantos outros jogos competitivos, o jogador anda livre pelo mapa e toma suas próprias decisões. Da mesma forma, o oponente faz o mesmo. E é nas decisões humanas, além da habilidade e conhecimento de cada um, que mora a imprevisibilidade - tanto do esport quanto do esporte.

Onde meu oponente vai? Ele vai avançar? Recuar? Esperar até quando? Vai impedir passagem de um lado do mapa? Qual estratégia ele preparou? E quanto a mim? Espero? Dou combate? Jogo sozinho? Chamo reforço? Qual decisão é melhor tomar? E por aí vai... Lembrando que junto de tudo isso, há a mecânica do jogo. Por isso o treino. Eu posso pensar que no futebol vou driblar todos e fazer o gol, mas se não sou bom o suficiente, não vai rolar. O mesmo vale para o FIFA.

Ainda sobre a questão da imprevisibilidade, é claro que em jogos eletrônicos você não pode fazer tudo o que quer. De fato, há a limitação da programação de até onde você pode ir, até quantos equipamentos você pode carregar e etc. Mas o que seria isso senão as regras?!

O jogador de futebol também está limitado nas quatro linhas. Ele não pode utilizar equipamentos que fujam de chuteira, caneleira e afins... Por mais que na vida real as opções sejam quase infinitas, no esporte, assim como no esport, existem regras. E regras servem exatamente para limitar e definir um estilo de como deve ser jogado.

O debate segue... Mas para que?!

O debate que se iniciou mais uma vez com as falas da ministra, é antigo. Eu diria até ultrapassado... Há alguns anos atrás, parecia fazer sentido entrar nessa luta. Atualmente, me questiono bastante até onde vale a pena e até que ponto isso é benéfico.

Os esports já são gigantes por si só. A indústria cresce cada vez mais em público, receita e praticantes. Talvez, debater onde devemos nos encaixar não seja mais o melhor caminho. Afinal, nós já temos força para criar o nosso próprio espaço.

A ideia aqui, inclusive, não é implorar para que a ministra mude de opinião ou algo do gênero. Até porque, não sou dono da verdade para ditar uma opinião. O objetivo aqui foi apontar inconsistências nos fracos argumentos apresentados. Em um cargo tão importante, vale pesquisar e aprender mais, para falar e agir com propriedade. Mesmo que isso não mude sua opinião.


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