Por mais que um item cosmético de Counter-Strike: Global Offensive seja feito apenas de algumas texturas e linhas de programação, sempre há uma história por trás dele. Onde há a história, há um interesse de uma comunidade de milhões de jogadores que podem se interessar pela skin, faca ou luva.
Em alguns casos, essa combinação de fatores pode fazer esses itens encarecerem a um nível que poucos imaginariam dentro de um jogo. Você pagaria R$ 7 mil para equipar seu personagem com uma luva? E R$ 10 mil para ter uma M4A4 com uma ilustração de lobo? Talvez você não acredite, mas o mercado de skins pode movimentar mais de US$ 10 bilhões por ano, e um simples item pode custar muito mais do que alguns milhares de reais.
Além de gerar um novo mercado, essa febre dos itens cosméticos, que é corriqueira em jogos da Valve, trouxe à tona uma nova cultura no universo de CS:GO: o da ostentação em torno das skins. Por trás das armas, luvas e facas com roupagens especiais, existe todo um cenário de jogadores profissionais e influenciadores que atua para promovê-las - ou promover as lojas responsáveis por sua comercialização.
Nesta reportagem, vamos mostrar como funciona o bilionário mercado de skins de CS:GO, e tentar entender por que esses itens geram tanto dinheiro.
Seu próprio vocabulário
Antes de tudo, é necessário saber que existem quatro cosméticos “principais” no CS:GO: as skins para armas, adesivos, luvas e facas. Os dois últimos sempre são muito raros, e seus exemplares mais baratos custam em torno de R$ 200.
Skins e adesivos, por outro lado, dependem bastante de outros fatores. Ser um item raro, por exemplo, é um dos maiores pesos nessa conta, mas ainda há outros elementos que precisam ser considerados.
O float, por exemplo, é um valor fracional que vai de 0 a 1, e mede o desgaste daquela skin, luva ou faca - quanto mais alto o float, mais desgastado é o item, o que geralmente significa que ele será menos valorizado.
Outro termo importante é o StatTrak, usado para armas e facas que medem quantas eliminações o jogador conquistou com aquele equipamento. Esse contador também é objeto de desejo de boa parte da comunidade de CS:GO, e pode aumentar bastante o valor de um item.
Ainda há terminologias mais específicas, como as facas Ruby, Emerald e Sapphire, ou os itens que podem ser considerados um Blue Gem por possuir determinado padrão de coloração. Todos esses nomes estão na ponta da língua da comunidade.
Um mercado bilionário que vai além do Steam
O Steam já oferece um mercado de comunidade bastante vasto, com milhares de opções de skins para serem compradas. A plataforma também é abrangente nos preços, que podem variar de pouquíssimos centavos a mais de R$ 7 mil.
Para se ter uma ideia, no momento de fechamento desta matéria, o item de CS:GO mais barato disponível no mercado custava R$ 0,05, enquanto o mais caro, uma faca Baioneta M9, custava exatos R$ 7.289,71.
Essas quantias extremamente altas não podem ser retiradas de sua conta do Steam, e devem ser gastas dentro da própria plataforma com outros itens ou jogos. Para solucionar esse impasse, surgiram lojas alternativas, que compram itens dos jogadores e os revendem online por um preço abaixo do encontrado na loja da Valve, transformando aquele montante em dinheiro “da vida real”.
No Brasil, um dos maiores exemplos é a Nesha Store: no mercado de itens virtuais desde 2008, a loja conta com mais de dez funcionários e entrou no CS:GO em agosto de 2017.
Mesmo com certo “atraso” ao embarcar no jogo, a Nesha já se tornou referência no ramo: “Hoje temos parceria com três jogadores da MIBR, diversos influencers, YouTubers, casters e jogadores”, afirmou um porta-voz.
Sem entrar em quantias absolutas que a loja movimenta, o porta-voz menciona alguns valores altíssimos que já passaram por suas mãos: “Já compramos skins de R$ 12 mil, como também já vendemos facas de R$ 8,5 mil. Já compramos inventários, de uma pessoa só, de valor bem alto, como por exemplo R$ 100 mil, R$ 70 mil”.
Se esses valores impressionam, a Nesha afirma que o mercado internacional sobe o patamar: “Os valores são muito mais absurdos. Diariamente são vendidas e compradas skins de cinco, dez, vinte mil dólares para cima”.
Um dos sites citados pelo porta-voz foi o CS.MONEY, onde testemunhei uma faca de R$ 27 mil ser vendida de um dia para o outro, confirmando sua fala. Também existem casos famosos, como a AWP Dragon Lore, uma das mais raras do game, que teve um exemplar vendido por US$ 60 mil.
Há ainda os “lobos solitários” nesse mercado, jogadores que acumulam um grande número de itens raros para revendê-los. Os chamados traders possuem facas que são avaliadas em milhares de reais, adesivos muito difíceis de serem encontrados, entre outros itens de alto valor. Seus clientes entram em contato para “construir” armas - normalmente enchendo uma skin cara com adesivos raros.
A valorização
Para quem não vive imerso na comunidade dos esports, os preços absurdos podem ser difíceis de se entender. Como alguém pode pagar dezenas de milhares de reais por um item virtual?
Ao observar de maneira mais analítica o cenário, fica um pouco mais fácil compreender esse fenômeno. Influenciadores, pro players e os próprios jogadores fazem parte da equação que joga os preços nas alturas.
Vlad Panchenko, CEO da DMarket, uma loja internacional de itens, coloca a escassez desses itens como um dos fatores: “Milhões de pessoas jogam CS:GO e a maioria delas usa e troca skins. Por esse motivo, a demanda é sempre alta”.
“Ao mesmo tempo, alguns itens in-game são extremamente raros. Muitos jogadores os querem mas poucos podem tê-los. Potenciais compradores precisam competir por essas skins, e isso faz os preços aumentarem”, ele completa.
De acordo com Panchenko, o CS:GO é mais do que um jogo para muitas pessoas. A comunidade joga, assiste, torce e vibra da mesma maneira que acontece com esportes tradicionais: “Eles querem se expressar e se exibir assim como as pessoas fazem no mundo real. As skins dão essa oportunidade”.
Entre os grandes nomes do cenário, não é nem um pouco difícil encontrar as pessoas “se mostrando”. Praticamente todos os jogadores profissionais possuem facas e luvas em seu inventário. Também não é raro se deparar com uma Dragon Lore - aquela que já chegou a ser vendida por US$ 60 mil -, durante uma partida de alto nível.
Com influenciadores, o exibicionismo é ainda mais descarado. Saullo, YouTuber de CS:GO que se destaca no Brasil, possui dezenas de vídeos falando sobre seus itens conquistados. Em um caso, ele chega a abrir 100 loot boxes em busca de skins raras - para fazer isso, é necessário desembolsar mais de R$ 1 mil.
Também é rotineiro mostrar seus lucros ao encontrar esses itens. Procurando em seu canal, receitas como R$ 3,2 mil, R$ 5 mil e até R$ 10 mil aparecem logo no título dos vídeos.
Tentamos entrar em contato com Saullo para esta matéria, mas não tivemos resposta.
Rian "Cachorro1337" Moreira, outro influenciador de grande porte no cenário brasileiro, confirma a importância de seus colegas nesse mercado: “A galera assiste os pro players e influenciadores com skins lindas, que chamam atenção, e a galera também quer e vai atrás, aumentando a demanda e valorizando o preço da skin”.
Mesmo conseguindo a maioria de seus itens por patrocínio, o YouTuber possui valores altíssimos em seu inventário. O exemplo dado por ele é sua faca Baioneta M9, avaliada em torno de R$ 17 mil.
Regulamentação
Por mais que a Valve permita a existência de lojas de skins, há alguns casos que passam do limite. Um dos mais populares é o da OPSkins, loja que possuía quase 3 mil bots para realizarem trocas automáticas de itens.
Visando acabar com polêmicas que envolvem apostas de skins, a empresa instituiu em 2018 um “cooldown” de sete dias para que itens recém-trocados sejam trocados novamente.
A OPSkins conseguiu uma maneira de driblar essa regulamentação: o ExpressTrade permitia trocas ilimitadas entre usuários, e utilizava justamente os 3 mil bots para funcionar. A Valve desabilitou todas essas contas de uma vez só, e estima-se que os jogadores tenham perdido o equivalente a US$ 2 milhões em skins nessa ação.
Os valores totais
Graças a todas essas variâncias e dispersões entre os meios de compra e venda de itens, é difícil mensurar as quantias exatas que esse mercado movimenta.
Panchenko, o CEO da DMarket, garante que é um negócio de bilhões de dólares, e dá um valor ainda mais preciso: “Baseado em nossos próprios dados, estimamos que a movimentação anual de skins de CS:GO passa dos US$ 10 bilhões”.
Sim, o valor é extremamente absurdo, e comparável às grandes indústrias do entretenimento. Em 2018, as bilheterias de cinema tiveram US$ 11,9 bilhões de receita nos Estados Unidos, segundo o Comscore.
Em termos globais, o valor salta para US$ 41,7 bilhões, mas estamos comparando uma das formas mais populares de lazer no mundo todo com um mercado estritamente ligado a um único game.
Ainda que sejam itens usáveis apenas dentro do jogo, skins são vistas como sinônimo de status e, muitas vezes, de habilidade como jogador. Infelizmente, há poucos casos como o da OPSkins, que expõem os montantes acumulados por esse mercado. A única certeza é de que o ramo é bilionário, graças a uma fortíssima comunidade que cobiça esses itens.