A fragilidade da indústria dos eSports já foi exposta há algum tempo por um longo artigo do Kotaku: investimentos altíssimos com pouco retorno e audiências infladas permeiam esse universo, e é provável que a Overwatch League seja a primeira grande liga a acusar esses sintomas.

Um grande êxodo de casters e apresentadores, juntamente com jogadores relevantes se aposentando prematuramente demonstram que a liga dos milhões de dólares passa por dificuldades internas.

Por cima de tudo isso, a terceira temporada da OWL promete ser a mais ambiciosa até aqui: times viajarão entre países para disputar as partidas. A movimentação é ousada e aproxima o cenário dos esportes convencionais, mas pode ter consequências terríveis para as equipes.

Milhões de investimento… sem retorno?

Reprodução/Blizzard

Com a gigantesca Activision Blizzard por trás, a Overwatch League era um projeto que almejava muito desde o princípio. O campeonato adota o sistema de franquias: times fixos, sem rebaixamento ou promoção das equipes, garantindo a estabilidade no longo prazo.

No caso da OWL, essa estabilidade tinha um preço altíssimo: uma vaga na primeira temporada da liga custaria US$ 20 milhões, de acordo com algumas reportagens da época. Na segunda, o valor aumentou para algo entre US$ 30 milhões e US$ 60 milhões, segundo uma matéria da ESPN.

Tudo isso refletiria em uma liga de imensas estruturas, com uma premiação total de US$ 3,5 milhões - valor altíssimo para o mundo dos eSports. Ao redor disso, estão elementos típicos do sistema de franquias, como partidas presenciais e inúmeros produtos licenciados à venda.

Olhando de fora, tudo parece muito bonito, mas não é necessário ir muito a fundo para perceber que esse investimento pode não obter o retorno desejado: em termos de audiência, os Playoffs da OWL em 2019 passam longe dos números do Mundial de League of Legends do mesmo ano.

Para se ter ideia, os dados do Esports Charts apontam que Overwatch teve um pico de 318 mil espectadores simultâneos, com uma média de 110 mil espectadores; o Mundial bateu 3,98 milhões de pessoas assistindo, e manteve uma média de mais de 1 milhão.

Sejamos justos, o Mundial de LoL já está aí há bastante tempo, e teve mais oportunidade para se consolidar. Entretanto, mesmo comparando com o novato Free Fire, Overwatch não se sai tão bem na fita: o Battle Royale Mobile teve pico de 2 milhões de audiência, mantendo média de 1,2 milhões de espectadores.

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Por cima disso, há acusações de que a Blizzard ainda estaria inflando seus números ao incorporar as streams da OWL em sites relacionados a games. Assim, qualquer usuário que visitasse o site seria contabilizado como um espectador.

Isso já havia sido mencionado pelo Kotaku como uma prática comum no meio dos eSports, e o cenário fica ainda mais feio para o Overwatch ao entender todo o contexto por trás dessa alegação.

De acordo com a reportagem, uma empresa chamada Curse seria responsável por essa distribuição silenciosa das transmissões. Coincidentemente - ou não -, a Twitch, que pagou US$ 900 milhões pela exclusividade de transmissão da OWL, já foi empresa mãe da Curse.

Em meio a números baixos e um conflito de interesses gigantesco, é bem fácil perceber que a audiência da Overwatch League é uma bagunça. Infelizmente para a liga, há ainda mais problemas evidentes.

Êxodo de talentos

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Outra fraqueza demonstrada pela Overwatch League está na saída de seus casters e apresentadores: Malik Forté, Auguste “Semmler” Massonnat, Christopher “MonteCristo” Mykkles, Erik “DoA” Lonnquist e Chris Puckett são os nomes que não retornarão para a terceira temporada do torneio.

Por mais que alguns desses profissionais tenham sido bem discretos quanto a sua saída, MonteCristo foi bastante vocal, fazendo uma thread de doze tweets sobre os motivos que o levaram a sair da OWL e o seu futuro como profissional.

MonteCristo chega a dizer que diferenças criativas estavam entre as razões para sua não renovação de contrato. Sobre os próximos conteúdos a serem produzidos, o caster diz que não fará mais conteúdos de Overwatch em seu canal pessoal. O motivo? Não havia tanta demanda da audiência.

A afirmação de MonteCristo indica ainda mais que a audiência da OWL e do cenário de eSports como um todo não são satisfatórias, e ainda há mais a explorar nesse buraco.

Burnout dos jogadores

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A rotina de um atleta profissional certamente não é fácil, mas a Overwatch League deixa isso transparecer com maior frequência do que outras modalidades dos eSports. Jogadores se aposentando sob alegações de preocupação com a saúde mental e de querer relaxar já aconteceram mais de uma vez na liga.

Hyeon “EFFECT” Hwang, ex-jogador do Dallas Fuel, pode ser o exemplo máximo disso: antes de se aposentar, o jogador já havia tirado uma pausa do competitivo justamente para cuidar de sua saúde mental. Meses depois, ele anunciou sua aposentadoria em meio a um discurso de “Overwatch não é mais divertido”.

O mesmo pode ser dito de Daniel “dafran” Francesca, do Atlanta Reign, e do brasileiro Renan "alemao" Moretto, que teve um discurso parecido ao anunciar sua aposentadoria: “Eu não gosto mais de jogar OW e não vou me forçar a jogar”, disse em seu Twitter.

Some esse aparente desgaste generalizado a uma terceira temporada repleta de viagens longas, e você pode ter uma receita perfeita para o desastre.

Um levantamento do Upcomer mostra que a London Spitfire e a Boston Uprising viajarão mais de 100 mil quilômetros durante a temporada 2020. Em média, as equipes terão de percorrer 40 mil quilômetros no decorrer do torneio.

O número é comparável às equipes da NBA, que percorrem aproximadamente a mesma quantidade de quilômetros durante a temporada. Nessa comparação, ao menos, a OWL ganha em um dos aspectos: sua temporada tem aproximadamente 7 meses, enquanto a NBA tem 6.

Ainda assim, vale ficar de olho nas viagens longas da Overwatch League, que podem afetar tanto o desempenho dos jogadores quanto a sua vontade de permanecer no cenário competitivo.

Ainda tem mais

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Em meio a tantos problemas internos à Overwatch League, a Activision Blizzard ainda tem mais uma questão sobre o cenário do game a ser resolvida. Falta de partidas presenciais e pouca promoção das transmissões estão fazendo o torneio ser economicamente inviável.

A Overwatch Contenders, espécie de “berço de talentos” para a OWL, está cada vez mais precarizada e já teve baixas relevantes em termos de equipes inscritas: NRG, Gladiators Legion e Mayhem Academy - todas atreladas a times da divisão principal - estão entre as equipes que deixaram o torneio.

Na América do Sul, o torneio também passa por dificuldades: a Brasil Gaming House, organização que venceu as duas primeiras temporadas da Contenders, não existe mais. A temporada seguinte ficou com a LFT, line-up que posteriormente foi contratada pela Lowkey Esports.

A Lowkey venceu as duas temporadas da Contenders na América do Sul, o que não impediu a organização de dispensar todos os seus jogadores.

Com tantos problemas, é possível dizer que as viagens internacionais podem ser a última cartada da Activision Blizzard. O plano pode dar certo, valorizando e revitalizando a liga; por outro lado, ela pode só aumentar a velocidade com que o torneio implode. De um jeito ou de outro, 2020 é um ano decisivo para a Overwatch League.