Perspectiva, por CarioK

A história do Caçador campeão do CBLoL 2021 pela paiN Gaming; Para CarioK, títulos são mais do que troféus: são a mudança de vida que ele e sua família sempre sonharam

Marcos "CarioK" de Oliveira Jogador Profissional
Foto: paiN Gaming
Foto: paiN Gaming

A confusão de cabos de televisão, internet e energia (pode contar uns “gatos” aí também), o barulho dos ônibus e as subidas e descidas de Belford Roxo, onde nasci e cresci, mal sabem onde seu filho foi parar. Ou na verdade sabem bem, já que depois de vencer o primeiro CBLoL do sistema de franquias, apareci em diversos sites e fiz várias entrevistas.

A Islândia é bem mais fria que o meu Rio 40 graus, só não é tão diferente porque aqui ou no meu quarto sempre tive o mesmo objetivo: vencer e ser o melhor jogador que pudesse ser.

Venho de uma família simples, mas em casa nunca faltou nada. Pelo contrário, meu pai sempre fez questão de dar a mim e às minhas duas irmãs o que queríamos, enquanto minha mãe, que abandonou os estudos quando nascemos, cuidava da casa e das crianças. Te juro que não dava muito trabalho, já que eu saia da escola pública direto para o computador até a hora de dormir, e repetia tudo no dia seguinte. Não só eu curtia muito jogar, mas era o que tinha pra fazer depois que a prefeitura tirou a quadra da nossa rua.

Meus pais não gostavam muito de me ver lá no quarto jogando e vacilando em ajudar em algumas coisas da casa, coisa de criança e adolescente mesmo. Por sorte, meu pai também gostava de jogar LoL comigo e minha irmã mais nova. Eu achava o máximo, ainda mais quando eu parava pra pensar nele. É foda você ver o seu pai acordando todos os dias às 5h da manhã para ir trabalhar e chegar tarde da noite sem ter perspectiva de melhorar muito a vida da família. Não sei como ele se sente em relação a isso, mas eu sei o quanto significa pra mim lutar por uma vida melhor para a minha família.

A gente mora de aluguel, e um dia parei pra pensar que mesmo nessa rotina há vários anos, continuamos morando de aluguel. Isso me marcou, parece que estamos presos nisso, sabe? Levo comigo tudo o que eles fizeram por mim, e vou entregar de volta. Vou tirar meus pais do aluguel, colocá-los na casa própria. O Baiano fez isso pelos pais dele, inclusive, e foi uma inspiração. É um sonho meu também, e espero alcançar.

Mas, na verdade, nunca pensei muito em ser jogador profissional, sabe? Eu comecei a jogar lá por 2012 e só em 2015 fui me tocar de que isso existia. Tinha ouvido falar que um time tinha vencido uma partida em um estádio de futebol ou algo assim. Na época já estava lá pelo Mestre ou Desafiante no LoL, e aí um tempo depois formei um time com Anyyy e Damage para jogar o Tier 3. Na classificatória para a Segunda Etapa do Circuitão 2017, vencemos várias séries jogando cada um da sua casa para chegar até o Desafiante, em uma equipe formada só pelos jogadores!

Era bizarro, a minha internet caía direto e, conforme fomos avançando no campeonato, implorei pra minha família não usar nada de internet quando estivesse jogando, e eles faziam isso só pra me deixar jogar com um ping estável. A minha ficha mal caiu quando venci, porque isso também significava ter que deixar o Rio de Janeiro e ir para São Paulo, principalmente quando aceitamos uma proposta para virar a equipe da IDM.

Foto: Bruno Alvares | Riot Games

Meus pais entenderam rápido a minha vontade, só minha mãe que precisou de um pouco mais de convencimento, mas disse que completaria o terceiro ano do ensino médio em São Paulo e ela aceitou. Parti sozinho para a cidade de ônibus. Tudo o que pensava na ida era em jogar sem preocupações, sem precisar fazer coisas da casa, com internet boa. Quando você é jovem só quer jogar mesmo, não ligava para salário ou para o futuro. Queria jogar e isso me fazia feliz, era simples assim.

A primeira etapa no Desafiante foi decepcionante. Entramos no campeonato achando que éramos muito bons, mas aí você bate de cara com a diferença entre jogar e competir, e vê o quanto é diferente. O quanto importa ter uma rotina, ser mais regrado. Mas de novo, éramos jovens, só queríamos jogar, e estava ao lado dos meus companheiros de anos, e os considerava a minha família também.

Subimos para o CBLoL depois de sermos campeões da Primeira Etapa do Circuitão 2018 contra o Flamengo, mas a primeira vez na elite foi muito dura. Não estávamos no nível do campeonato. Se vencíamos alguma partida era mais porque alguém carregava por conta própria, e eu mesmo não conseguia entregar o meu máximo. No final do ano, fui kickado do time.

Foto: Bruno Alvares | Riot Games
Foto: Bruno Alvares | Riot Games

Lembro até hoje de sentar no quarto que dividia com Anyyy e Damage e perguntar se eles sabiam de alguma coisa. Eles me disseram que não, e aí falei para eles e chorei muito. Doeu nos primeiros dias, mas aos poucos a ferida cicatrizou. Conhecia esses caras desde antes de ser profissional, eram a minha família. Sabia que estava mal, mas tinha certeza de que eu melhoraria, mas… não era pra ser. Na época eu não entendia isso, o quanto misturava a vida pessoal com profissional.

É muito importante entender que, no final das contas, somos profissionais, e a equipe está acima de qualquer indivíduo. A IDM foi toda a minha carreira, mas quando entrei para a Havan Liberty em 2019 aprendi muita coisa. Foi uma mudança necessária, e até hoje entendo a importância que teve em minha vida ser kickado da IDM. Mudou minha postura, me deixou mais maduro, tive que assumir um papel de liderança, me impor mais com jogadores novatos na Havan. Você pode ser amigo, ser próximo, mas precisa separar isso dos resultados e do trabalho. Ali minha perspectiva sobre ser jogador mudou, e comecei a realmente enxergar que jogar era meu trabalho.

O primeiro campeonato pela Havan foi regular, com uma equipe com muitos jogadores novos. O que pegou e que realmente me marcou na Havan foi principalmente a Segunda Etapa de 2019. Montamos um elenco muito experiente e que tinha muitos títulos: Zantins, tockers, Zirigui… e mesmo assim não conseguimos vencer. Isso fez com que eu me questionasse muito. Se eu era o problema, se estava fazendo algo de errado ou se realmente ser jogador profissional era para mim, já que parecia que eu estava começando a entrar em um limbo que muitos jogadores já viveram: entrar no Desafiante e ficar lá, sem subir para o CBLoL ou descer para o Tier 3.

Joguei bem na terceira etapa na Havan, com um time reestruturado com dyNquedo e esA, mas nada que brilhasse tanto aos olhos ou que fosse fazer a diferença para sermos campeões. Por isso vocês devem imaginar a minha surpresa ao receber uma proposta da paiN Gaming.

Olhando para trás, acho que me subestimei durante vários momentos durante a minha carreira. Sempre me culpei e cobrei pelos resultados e como melhorar, só via os meus erros. É algo bom a se fazer, mas com moderação, ou você fica louco. Na Havan eu exagerei nisso, e sabotei a minha autoconfiança. Tanto a ida para a Havan quanto o convite da paiN me pegaram de surpresa, mas as pessoas viam de mim mais do que eu mesmo talvez via, por mais que eu fosse a pessoa que mais queria vencer.

Claro que ir para a paiN jogar o CBLoL era uma proposta irrecusável, mas… também poderia ser a minha ruína. Separei em dois lados: por um lado, posso ir e jogar mal, acabar com a minha carreira pelo hate da torcida, pressão da imprensa e tamanho da paiN; Pelo outro, se jogasse bem e conquistasse a confiança de todos, poderia me destacar muito. Eu estava há três splits no Circuitão sem nenhuma perspectiva de algo acontecer.

Era um all-in, eu tinha certeza disso. Poderia dar muito bom ou muito ruim, mas eu tinha certeza de que era isso que precisava.

Esse era o desafio à minha altura.

Tinha medo de dar errado, é uma organização grande, torcida imensa, mas eu precisava desse momento, vivi por essa chance, não poderia desperdiçar essa oportunidade.

Ah, e ia jogar com Robo, brTT, tinowns e esA, né? Aí que não falta motivação mesmo.

Entrar na paiN e vencer as primeiras partidas mostrou o tamanho da motivação que tenho no peito. Na Havan era legal se vencêssemos, mas não era algo obrigatório vencer o Circuitão.

Na paiN não tem conversa, irmão. Vencer é obrigação.
CarioK

Sentia que precisava ganhar e tínhamos condições de fazer isso acontecer, mudei meu pensamento. No Circuitão o futuro nunca foi claro, sempre foi algo nebuloso, e na paiN parecia que eu enxergava claramente o nosso caminho rumo a uma final e um título. Principalmente, quando olhava para o lado via meus companheiros com o mesmo brilho no olho, e isso sempre foi um combustível para nós.

Por isso uma das coisas que mais doeu em mim foi perder a final de 2020 - eu queria ganhar muito o título por eles, sabe? Via a importância de vencer novamente para o brTT calar os críticos, para o tinowns provar o quanto ele trabalhou e mereceu, esA e Robo também.

Vocês têm uma boa visão do brTT em um time, mas quem vive esse dia-a-dia com ele sente ainda mais, é algo inacreditável. Sua postura durante a semifinal de 2020 contra a Vorax foi algo que nunca vi, como ele nos puxou ao limite para vencermos. Já o tinowns é um cara extremamente esforçado e que passou por coisas que poucas pessoas no cenário já passaram, de pressão, de dúvidas, de críticas da comunidade, do quanto falaram das atuações dele.

Por isso a derrota me afetou tanto.

E por isso também que o título que conquistamos este ano é tão saboroso.

Vencer o CBLoL 2021 e participar desse pequeno momento na história deles é uma coisa muito importante para mim. Nunca foi algo que me pressionou, e sim me motivou. Sei o quanto eles precisavam e mereciam isso, e por isso a sensação de saber que você chegou lá é indescritível.

E sabe, em 2019 fiz um bootcamp na Europa quando estava na Havan Liberty. Um garoto do Belford Roxo perdido na Alemanha. Não sabia como era, o que ia acontecer. Perdi muito na Solo Queue e nos treinos no começo, os caras só jogavam em outro ritmo, sabe?

Mas então comecei a me acostumar e entender que eles jogam o mesmo jogo que você. Não começam cinco níveis na sua frente, todos têm as mesmas chances de vencer. Com foco e trabalho, comecei a vencer, e terminei meu bootcamp no segundo lugar da Solo Queue europeia. Isso me mostrou que era possível.

Também por essa época, estava conversando com um amigo meu sobre resultados internacionais e tudo mais. Ele citou jogadores e times do exterior, disse que era impossível, mas eu falei que era. Tire as desculpas fáceis de lado, de sermos uma região isolada, de só termos perdido nos campeonatos internacionais.

Nós podemos. E só depende de nós.
CarioK
Foto: paiN Gaming
Foto: paiN Gaming

Quanto antes entendermos isso, mais rápido vamos conseguir.

E eu falava isso sendo da Havan no Circuitão. Menos de dois anos depois estou na paiN Gaming como campeão do CBLoL e prestes a estrear no MSI 2021. Mas para mim isso é só o começo do que eu quero fazer ainda. Quero ganhar mais títulos, representar nossa região, dar bons resultados e alegrias para os brasileiros, acabar com essa piada de "experiência internacional" e voltar com algo verdadeiro para o Brasil: um desempenho digno de uma região apaixonada e que nunca abaixou a cabeça mesmo com tantas coisas jogando contra nós.

E claro, levar toda essa felicidade e conquistas profissionais também para dentro da minha casa. Minha família sempre me apoiou muito, então me sinto no dever de ajudá-los também. Quando ganhei o CBLoL, eles comemoraram o título como se fossem eles jogando, e eu torcendo. Choramos juntos a conquista e o futuro que me promete muita coisa ainda. É, seu Marcos e dona Fernanda, o CarioK de Belford Roxo tá no mundo, mas nunca vai se esquecer da casa de onde saiu. O meu futuro também é um futuro para vocês, podem ter certeza disso.

Vê-los batalhar tanto para me dar tudo e acreditar em mim é a prova de que, seja na família ou na minha equipe, tenho ao meu lado as melhores forças que poderia pedir para conquistar o que eu quero.

E eu quero tudo.

Publicado 05 de Maio de 2021
Editor e Entrevistador Bruno "LeonButcher" Pereira
Edição Rodrigo Guerra
Fotografia Bruno Alvares e paiN Gaming
Tecnologia Igor Esteves, Eliabe Castro e Thays Santos