CS:GO IEM Rio Major: Eles nunca vão entender

A torcida brasileira encantou o mundo durante o Major, mostrando a garra e a resiliência de um povo que sabe o que torcer significa

Bruno "Butcher" | @leeonbutcher Editor de Esports

“ACABOU O AMOR…”

“Meio milhão de pessoas na Triboneira!”, exclamou VelhoVamp, interrompendo Michel.

“FALTA UM PONTO”, gritou Gaules, enquanto o vigésimo sexto round entre Na’Vi e FURIA começava na Mirage, o último mapa da Melhor de 3 nas quartas de final do IEM Rio Major 2022.

Entre o barulho de granadas, molotovs e smokes no meio do mapa e a quietude do trio de transmissão da Tribo, um grito ruge, seguido da bateria.

“FURIA!”, gritaram os mais de dez mil brasileiros nas arquibancadas da arena.

“Olha esse tamborim!”, exclamou Gaules. “Vambora!”

Com um minuto e trinta faltando para acabar o round, a FURIA avança pelo meio da Mirage.

Cinquenta segundos depois, só resta electronic vivo pela Na’Vi.

Já sem conter as lágrimas, Gaules, mch e VelhoVamp se levantam e se abraçam.

Dez segundos depois…

“...ISSO AQUI VAI VIRAR UM INFERNO”.

Uma coisa é certa: não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? // Uma vitória tem que ser o lento trabalho das gerações.
Nelson Rodrigues

Desde que Counter-Strike é Counter-Strike, a comunidade brasileira lutou por um Major no Brasil. O país, casa de três títulos mundiais da modalidade (ESWC 2006, MLG Columbus 2016 e ESL Cologne 2016), pode não ter a prateleira tão cheia quanto Suécia ou Dinamarca, mas tem uma grande tradição de jogadores e equipes.

E claro, desde que Brasil é Brasil, a paixão por torcer e apoiar quem representa as cores verde e amarelo em competições corre nas veias de qualquer brasileiro.

O que aconteceu no IEM Rio Major foi fruto de suor de diversas gerações do Counter-Strike brasileiro, das disputas de lan house nas Monkeys de todo o Brasil à criação de tags como g3x, mibr e GameCrashers. Passou pelo auge do 1.6 e sobrevivência do CS Source até apoio da comunidade para uma certa Keyd Stars disputar um Major em 2014, pela resiliência de uma lenda com depressão e pela última dança de uma linda história.

No entanto, história e torcida existem em qualquer lugar.

Por que a brasileira seria diferente das demais?

Foto: Adela Sznajder | ESL
Foto: Adela Sznajder | ESL

Pela primeira vez na história, a ESL, vendo a possibilidade da já mundialmente conhecida paixão brasileira invadir o Major, tomou a decisão de abrir as arquibancadas não somente no Champions Stage, mas também no Challengers e no Legends - afinal, FURIA, 00 Nation e Imperial entrariam na primeira fase do campeonato, e eram as grandes atrações do público.

Foi assim que o Riocentro abriu as portas para milhares de fãs que ansiavam em ver FalleN, fer, VINI, chelo, boltz, fnx, coldzera, TACO, latto, dumau, TRY, cky, yuurih, arT, KSCERATO, drop, saffee e guerri (estamos com você!).

Tão atração quanto os jogadores estavam Gaules e sua Tribo (mch, VelhoVamp, bt0 e Liminha), que revolucionaram o cenário mundial de transmissões esportivas ao jeito brasileiro e abriram na voz portas que as balas sozinhas não conseguiriam.

Assim o Rio de Janeiro foi tomado por milhares de torcedores reais e virtuais em um show nunca antes visto.

Renderam-se ao espetáculo todos que não conheciam de perto o “inferno brasileiro”, no Rio quarenta graus: jogadores, equipes de backstage, organizadores, patrocinadores, imprensa, casters e público global.

Por muitas vezes, o fervor brasileiro feriu adversários mais do que as granadas e disparos dentro do servidor, empurrados pelo batuque de tambores e tamborins, invadindo audição e tato, por meio dos terremotos de mãos e pés a cada pausa dada pelas equipes gringas.

E você sabe. Pra gringo é mais caro.

“ELES PAUSARAM!”

Quem não é brasileiro viveu de perto a pressão de jogar em um caldeirão temperado à brasileira. Posts em redes sociais, reacts de transmissões, vídeos, fotos, áudios. A enxurrada de conteúdo criado por equipes e pessoas estrangeiras do que acontecia no Challengers Stage viralizou de uma maneira nunca antes vista no CS:GO.

No decorrer do Challengers Stage, no entanto, a ESL tomou a decisão de, na série entre Imperial e Cloud9, retirar o mapa da transmissão e a visão de raio-X sob o pretexto de que a torcida brasileira estaria auxiliando as equipes do país com informações privilegiadas durante as partidas, algo que nunca havia acontecido em qualquer outro Major na história.

Gaules, então, deu início ao movimento que dá título a este texto.

“Eles nunca vão entender o que é ser brasileiro”.

Uma torcida não vale a pena pela sua expressão numérica. // Ela vive e influi no destino das batalhas pela força do sentimento.
Nelson Rodrigues
Foto: Adela Snajder | ESL
Foto: Adela Snajder | ESL

Durante muito tempo após as falas de Gaules, a frase foi usada por estrangeiros que gostariam de entender sobre o que o streamer falava. É sobre o Brasil? É sobre os brasileiros? Estamos falando de jogo? Ou de vida?

Para quem é brasileiro, é auto-explicativo. É sobre tudo isso e mais um pouco.

Dentro deste país cabe a maioria dos países de vocês, e dentro deste país há muitas dualidades. Mulheres e homens, pretos e brancos, esquerda e direita, crianças e idosos.

Há quem goste de praia, calor e futebol, e quem goste do frio e do conforto de casa.

Há quem lute pela comida na mesa todos os dias, mas também quem tem tudo o que precisa na vida. Há quem quer e conquista, quem sonhe e falhe, mas não há sequer um brasileiro que desista.

Quando falamos de Brasil em campo, as diferenças somem no meio de todas as semelhanças. Houveram muitas críticas quanto à torcida brasileira no Major. Principalmente a de que falta de torcedores em jogos que não tenham sido da FURIA após 00 Nation e Imperial terem sido eliminadas cedo no campeonato.

Isso só prova o quanto eles não entenderam.

De fato, é necessário ter torcida para todas as equipes, mas torcer do jeito que nós torcemos para times brasileiros é impossível.

Nunca prometemos nada sobre um Major no Brasil, mas sempre soubemos o que entregaríamos.

Dizem os idiotas da objetividade que torcida não ganha jogo. // Pois ganha.
Nelson Rodrigues

Em muitos momentos que faltou bala às equipes brasileiras, as vozes e batuques da arquibancada empurraram os jogadores para a confiança em seu próprio jogo. A grande verdade é que muitos rounds foram vencidos pelo público presente no Riocentro e Jeunesse Arena. Seja pelo apoio aos brasileiros ou a pressão nos adversários.

Podemos lembrar do 12-3 que a 00Nation levava da IHC na Inferno seguida da derrota no pistol, e que, round a round, foi buscado pela equipe brasileira até o overtime.

Ou da busca da Imperial em sua última partida, conseguindo o duplo map point em Vertigo e Overpass contra a Cloud9, uma equipe Top 5 do mundo.

Infelizmente, no caso de 00Nation e Imperial, o caminho foi cortado cedo e cruelmente. Ambas saíram do primeiro Major no Brasil com três derrotas e nenhuma vitória.

Apesar de há anos ser a principal equipe brasileira no exterior, talvez por não conter nenhum dos jogadores bicampeões de Major em 2016, a FURIA não chamou muita atenção no começo do campeonato, apesar de claramente ser apoiada pelos brasileiros.

Muito mudou após a equipe atropelar a GamerLegion e se classificar para o Legends stage, cunhando o grito de torcida que ecoaria na cabeça dos adversários durante todo o resto do Major.

“VOU TORCER PRA FURIA SER CAMPEÃO,

LA TRIBONEIRA, MEU CALDEIRÃO”

Com a Triboneira à frente dos Panteras, a FURIA virou um adversário brutal.

Seja nas cachorradas do arT, nos clutches de KSCERATO, na calma de yuurih, no talento de drop e nos reflexos de saffee, a organização brasileira atropelou a concorrência no Legends Stage, batendo ENCE, Spirit e BIG sem perder sequer um mapa, se classificando com 3-0 para o Champions Stage enquanto equipes como Vitality, FaZe Clan e Team Liquid ficaram pelo caminho - exatamente as três que compunham o Top 3 da HLTV naquele momento.

Para os “experts” estrangeiros, a FURIA havia tido um caminho fácil no Challengers e Legends Stage, sem um desafio real à altura.

O sorteio das quartas de final que colocou os Panteras à frente da Na’Vi, de s1mple, nas quartas de final certamente abriu os sorrisos dos “fiscais de brasileiros”.

Mas eles não tinham ideia do que esperava por eles.

Jeunesse Arena, 11 de novembro de 2022, 21:46.

Chovia no Rio de Janeiro.

Daquelas chuvas que encharcam as roupas penduradas nos quintais de casa.
Que alagam ruas eleitoreiras construídas com mais pressa do que planejamento.
Que criam goteiras nos barracos e infiltrações nas casas.
Que se juntam em poças, jogadas em direção a pedestres por carros.
Que entopem as ruas de trânsitos e os esgotos de lixo.
Que dão ao Brasil um panorama de caos - à brasileira.

Chovia no Rio de Janeiro.

Mas na Jeunesse Arena, a água transformou o caldeirão em inferno.

Quando falamos “vocês não entendem”, é porque ser brasileiro não é apenas paixão por torcer.

É entender que essa discussão entre público na fan fest e na arena é só de vocês, os brasileiros vão fazer a festa independente do lugar em que estiverem.
É entender que buscar uma Nuke de TR contra a Na'Vi, empatar 14-14 e tomar um round eco na sequência, é porque nada é fácil para a gente.
É entender que o s1mple, quando venceu a Nuke por 14-16 e levantou com as mãos nos ouvidos provocando a torcida brasileira, não tinha ideia do que tinha feito.
É, com quatro da Heroic na B da Inferno, a FURIA rushar, dar bala e plantar a bomba faltando um segundo pra ganhar o round.

É ver o clipe da vitória da FURIA contra a Na'Vi.
O choro de Gaules, mch e VelhoVamp.
O choro de arT e o abraço da FURIA.
A festa da arquibancada.
O abraço de namorados emocionados.
Os gritos e abraços de um filho com seus pais.
Um fã, na fan fest, girando a camisa em meio à chuva.

É. Vocês nunca vão entender.