O crescimento e a evolução do automobilismo virtual no Brasil

Cenário competitivo nacional vive ascensão e atrai cada vez mais olhares dos esports com diversos jogos e modalidades

Bruno Povoleri | @brunopovoleri Redator de Esports
Foto: Alê Virgílio
Foto: Alê Virgílio

O Brasil é sempre uma das referências quando o assunto é automobilismo. O país tem uma longa história no esporte e é reconhecido mundialmente por ter um público apaixonado devido às influências de nomes históricos como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Ayrton Senna, Cacá Bueno, Tony Kanaan, Rubens Barrichello, Bia Figueiredo, entre outros. A paixão é tão real que está presente também no virtual - que cresceu de forma expressiva ao longo dos últimos anos e conta com várias competições no cenário brasileiro.

É o automobilismo virtual que permite, por exemplo, unir esporte e videogame. A modalidade chama atenção por possibilitar que os fãs pilotem virtualmente carros esportivos e de corrida sem a óbvia necessidade de adquiri-los. Trata-se de uma alternativa extremamente inclusiva e que também serve de oportunidade para a entrada de novos pilotos nas pistas reais.

Se antes era preciso comprar um kart, hoje é possível ter uma experiência similar sem sair de dentro de casa com os mais diversos jogos de corrida, como Fórmula 1, Gran Turismo Sport, Forza Motorsport, Project Cars e por aí vai. Cada um deles tem características e categorias distintas. Enquanto uns se assemelham mais à realidade, outros são considerados “arcade” e focam na diversão do usuário.

Como complemento, há os simuladores de corrida - opção interessante, mas que acaba sendo mais voltada para quem quer se profissionalizar no automobilismo, já que são menos acessíveis para o público em geral. Outro ponto a se considerar é que o simulador, na maioria das ocasiões, exige um maior uso de acessórios para que o usuário possa extrair o máximo da experiência.

A junção destes dois mundos forma o competitivo de automobilismo virtual, que é considerado um dos expoentes dos esportes eletrônicos, os populares esports. No Brasil, as primeiras competições virtuais de automobilismo começaram por volta de 2006, com uma iniciativa que partiu da própria comunidade.

Fãs de F1 Challenge 99-02, jogo lançado pela EA Sports e baseado nas temporadas de Fórmula 1 de 1999, 2000, 2001 e 2002, se juntaram em grupos de redes sociais para formar campeonatos que inicialmente seriam entre amigos. Só que o tempo passou, os jogos de corrida avançaram junto com a tecnologia e as competições entre amigos passaram a juntar cada vez mais entusiastas. Era o início do competitivo de automobilismo virtual no país.

Foi assim que surgiu, em 2006, um dos principais e mais antigos portais de automobilismo virtual do país: o F1 Brasil Clube (F1BC) - que passou a ser o principal órgão organizador de campeonatos nacionais com regulamentos inspirados no mundo real, além de transmissões ao vivo e etapas regulares ao longo do ano. O portal segue na ativa desde então e tem temporadas com durabilidade de três a quatro meses. Em 2022, o F1BC ajudou a organizar a BMW M Cup, o campeonato oficial da BMW no Brasil.

O Brasil, inclusive, já tem uma história de sucesso no cenário competitivo de automobilismo virtual. Em praticamente todos os torneios de plataformas e games de corrida é possível notar pilotos brasileiros nas primeiras posições. Os resultados mais relevantes do país são: Hugo Luis Calmon, campeão mundial em 2011 no iRacing; Cristiano de Sá, quinto colocado no Mundial da DTM no RaceRoom, em 2017; Jeff Giassi, tricampeão da Porsche Esports Brasil; e Igor Fraga, finalista do Mundial de Fórmula 1, também em 2017, e tricampeão do FIA GTC World Championship em 2018, 2019 e 2021. Ele também conquistou o McLaren Shadow Project, em 2019.

Curiosamente, o crescimento do cenário competitivo de automobilismo virtual no Brasil não se resume a apenas ter bons representantes. Dez anos depois da formação do portal F1BC, em 2016, o Brasil criou um simulador da modalidade: o Automobilista. O jogo foi desenvolvido pela Reiza Studios e é bastante popular dentro da comunidade desse nicho, uma vez que já recebeu campeonatos oficiais da Stock Car e da Fórmula Truck, além de ser usado mundialmente para outras competições regionais.

De resto, outros simuladores e games de corrida são utilizados em competições no país, como F1, Gran Turismo, Assetto Corsa Competizione e iRacing, por exemplo. Entre os destaques citados, o Gran Turismo tem um peso maior por ter um circuito profissional de torneios organizado junto à Federação Internacional de Automobilismo (FIA). A competição é chamada de Gran Turismo Championships e é dividida em cinco grandes regiões com três etapas: Online Series, World Tours e World Finals.

No circuito, há dois tipos de campeonatos: Nations Cup, disputada entre países e territórios; e a Manufacturer Series, disputada entre construtores de automóveis - quase da mesma maneira que acontece nos títulos de piloto e montadora na F1 tradicional. O brasileiro Igor Fraga, citado anteriormente, é o nome de maior relevância dentro da competição do game - que também costuma ter outros torneios realizados por empresas e demais entusiastas no Brasil, como o Desafio GT Sports IGN e os campeonatos organizados pelo portal Gran Turismo Brasil (GTBR).

Já o F1 é a grande referência do segmento e se consolidou com o surgimento do Formula 1 Esports Series, em 2017. O circuito oficial de campeonatos do game tem dez escuderias e todas as pistas reais da Fórmula 1, além de uma média de mais de 230 mil participantes, audiência de mais de 11 milhões de espectadores e cerca de US$ 750 mil de premiação por temporada.

Foi o próprio F1 que ajudou a atrair mais público para o automobilismo virtual dentro do Brasil. O crescimento do jogo no cenário nacional teve forte influência de streamers voltados para outras modalidades, mas que abraçaram a causa e passaram a se envolver com mais constância, como os casos de Gaules, parceiro do Omelete, e de Apoka, VelhoVamp e Lauqs - os três são membros da Tribo, grupo criado por Gaules que conta com influenciadores e criadores de conteúdo do mundo gamer.

A Tribo, aliás, já fez parte das pistas e conseguiu um marco importante: Gaules estampou sua marca no carro do piloto brasileiro Enzo Fittipaldi, da HWA Racelab, da Fórmula 3, em 2020. Enzo e seu irmão Pietro Fittipaldi, atualmente piloto reserva da Haas F1 Team, têm uma relação próxima com a Tribo e estão sempre trocando menções em lives, nas redes sociais ou até mesmo pessoalmente. Depois disso, Gaules ainda quebrou outra barreira e fez história ao obter os direitos para transmitir a Fórmula 1 diretamente da Twitch, em 2021.

“A Tribo é gigante, então pra mim realmente é uma grande honra e uma grande responsabilidade representá-la no automobilismo. Eu conheci o Gaules através da Twitch. Junto com o meu irmão Enzo, a gente começou a transmitir corridas virtuais em 2020 e o Gaules acabou transmitindo algumas delas, e foi assim que a gente se conheceu e nos tornamos grandes amigos”, revelou Pietro Fittipaldi.

A Tribo é gigante, e é uma honra representá-la no automobilismo
pietro-fittipaldi
Pietro Fittipaldi
Foto: Alê Virgílio

Apesar da falta de organizações para realizar eventos oficiais, algo que é pode ser considerado o maior problema da modalidade, o cenário competitivo de automobilismo virtual no Brasil cresceu para valer durante a pandemia de Covid-19. Na época, as corridas foram canceladas e consequentemente os simuladores de corrida passaram a ser o refúgio de muitos pilotos profissionais para manter a cabeça e a habilidade em dia. Alguns deles foram além e também entraram no mundo das lives, algo que ajudou na popularização do gênero em outras comunidades dos esports.

Outros dois fatores também influenciaram no crescimento da modalidade. São eles: o lançamento em 2019 da série “F1: Dirigir para Viver”, da Netflix, que retrata a vivência e a emoção de pilotos, gestores e donos de equipes nas pistas e fora delas; e a entrada de marcas importantes dos mais diversificados mercados. Elas se interessaram pelo cenário e começaram a criar suas próprias competições. Assim surgiu, por exemplo, o Player 0.0 da Heineken - que já teve duas edições realizadas no F1 2021 e 2022, respectivamente.

A competição reúne influenciadores, convidados, consumidores da marca e pilotos profissionais em uma disputa que atrai olhares de vários nichos, já que, pelo segundo ano consecutivo, teve a final realizada presencialmente no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, antes do Grande Prêmio do Brasil do circuito oficial da Fórmula 1.

Muito além da premiação e da grife por trás da organizadora, o Player 0.0 é uma oportunidade da indústria automobilística ter cada vez mais contato com o público jovem. É assim que pensa Tony Kanaan, um dos principais nomes do automobilismo brasileiro e que participou das duas edições da competição. “Eu acredito que isso vai atrair muito mais jovens para o automobilismo. Existem muitos pilotos hoje que começaram no automobilismo virtual e viraram pilotos reais. É uma coisa muito mais barata e mais simples, você consegue ensinar o seu filho a dirigir dentro de casa, pois os simuladores são muito reais. Então o Player 0.0 é uma iniciativa muito positiva e muito legal”, disse.

“Eu acho que o torneio [Player 0.0] é muito legal pois dá chance aos jovens de terem uma experiência mais próxima do automobilismo real, que é um esporte muito caro. Muitos pais não têm condições financeiras de pagar para o filho andar de kart, então eles podem se sentir um piloto de Fórmula 1, sentir que está correndo no carro do ídolo e até mesmo ultrapassando um cara que eles idolatram”, completou Kanaan.

A inserção do público jovem no automobilismo virtual também passa por cada vez mais espaço para a comunidade feminina. A segunda edição do Player 0.0 teve a presença de cinco mulheres na disputa das fases finais, com destaque para a presença de Bia Figueiredo, primeira brasileira a correr na Fórmula Indy e uma das maiores representantes femininas no cenário nacional. Hoje, um dos planos para o futuro dela é influenciar na presença de mais mulheres na modalidade, e a realização do Player 0.0 ajuda nisso.

“Ainda não temos tantas mulheres na área de games. No automobilismo, temos mulheres incríveis, mas ainda somos minoria - assim como nos esportes em geral. Quem sabe vendo as mulheres que estão no Player 0.0 mais mulheres não se animam? Pois tudo é uma questão de referência. É um território em que todos podem competir por igual e será fantástico termos mais mulheres. É muito mais acessível e é um mundo cheio de oportunidades. Temos alguns jogadores que saíram dos games e foram vitoriosos na vida real, como o Igor Fraga e o Jeff Giassi. Quem sabe, em breve, não teremos nas pistas uma mulher que começou nos jogos?”, afirmou Bia.

Não só as mulheres, mas os mais diversificados gêneros marcaram presença ao longo da final da segunda edição do Player 0.0. Crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos: a grande maioria chegou cedo ao Grande Prêmio do Brasil para aproveitar a experiência do evento. Desde o início da manhã as filas já davam a volta no Autódromo de Interlagos. Poucos ali imaginavam que teria uma final de automobilismo virtual horas antes do início da corrida, mas certamente alguns deles passaram a se interessar pela modalidade depois disso.

Entre todos que estiveram no Heineken Village, poucos não se interessaram para saber do que se tratava a estrutura montada para receber a decisão do Player 0.0. Antes mesmo da final ser disputada, quem já estava presente no local aguardava com ansiedade a liberação do espaço para ser piloto virtual por ao menos alguns minutos. “Quando vai poder jogar?”, perguntou um senhor que aparentava ter em torno de 60 anos de idade.

Foto: Alê Virgílio
Foto: Alê Virgílio

A resposta de um dos responsáveis pelo local foi direta e reta: “Daqui a pouco”. E foi assim que a ansiedade precisou esperar até o início daquela que seria a última corrida das três etapas da segunda edição do Player 0.0. Na disputa, os consumidores Jato ITALIANO e Edinho_Games teoricamente eram os dois mais interessados no título, já que Tony Kanaan e o convidado e campeão do torneio em 2021, Victor Mucedola, não poderiam receber as premiações.

Só que na prática, quando os quatro competidores entraram na pista brasileira, tudo mudou. Victor Mucedola fez valer o favoritismo e rapidamente colocou uma expressiva vantagem em relação aos adversários. Quando chegou o momento em que Mucedola não poderia ser mais alcançado, o segundo lugar dentro do jogo se tornou o principal objetivo para ambos os consumidores - que travavam um duelo individual, volta a volta, com a companhia de nada mais nada menos do que Tony Kanaan.

Com a bandeira quadriculada já ultrapassada por Mucedola, Edinho_Games levou a melhor entre os consumidores e carimbou o título do Player 0.0 mesmo terminando a corrida na 2ª posição. O fato curioso pode ser resumido da seguinte forma: Victor Mucedola campeão moral, enquanto Edinho_Games campeão oficial, já que levou para casa o troféu e o kit exclusivo com blusa, pack de cerveja e volante G29 da Logitech.

No fim, o que menos importa é o campeão e a premiação. A segunda edição do Player 0.0 da Heineken provou que, entre todos os campeonatos do gênero realizados anteriormente, o automobilismo virtual tem sim potencial de ser tão popular no Brasil como o automobilismo real. Basta mais estruturação entre organizadores, união entre entusiastas e apoio de marcas a fim de que a modalidade se consolide de vez no hall dos esports.

Publicado 07 de Dezembro de 2022
Edição Bruno "Butcher" | @leeonbutcher
Fotografia Alê Virgílio