[Filme de amor]

Vem aí Brilho eterno de uma mente sem lembranças.

Forte candidato a tudo quanto é prêmio; as melhores interpretações das carreiras de Jim Carrey e Kate Winslet. Palmas mais uma vez para o roteirista Charlie Kaufman (Quero ser John Malkovich, Adaptação).

Pense bem: a quantos filmes você assistiu que tratam do amor? O cinema tem tentado confundir paixão com amor. Há pouca dúvida. Os filmes têm mostrado paixão, tesão, mas não o amor. É tema quase que exclusivo de um programa bem brasileiro, a telenovela.

Brilho eterno... fala do dia-a-dia aborrecido de um relacionamento comum, mas que se transforma em essencial pelo risco da perda do amado.

Genial, esperto, imperdível.

[A função da memória]

Brilho eterno... brinca com a memória. Mostra como podemos criar algo totalmente diverso da realidade em nossas mentes. O filme mostra como transformamos um fato em verdade, o que não garante que o outro concorde. A personagem de Jim Carrey é surpreendido pelo pé-na-bunda da amada Clementine (Winslet) e decide apagá-la de sua memória por meio de um processo utilizado por ela. Não dá certo. Um pontinho em seu cérebro recusa-se a se entregar ao processo e inventa uma nova verdade.

Confuso? Não é. Vá conferir quando estrear!

[Teatro amador]

Se há uma peça que despreza o amor é Chicago.

Atualíssima, todos as personagens são egoístas e buscam um lugar ao sol à custa de mentiras e trapaças. Vale o esforço, os artistas se empenham, a produção é cuidadosa, todo mundo faz tudo certinho. Mas falta o tempero brasileiro. Já falamos aqui do chocho A bela e a fera, produção da mesma equipe e com os mesmos erros.

Chicago facilmente se transforma em paixão para quem assiste... na Broadway. Aqui em São Paulo é tudo tão morno, mas tão morno que parece em câmera lenta. Repetimos: não falta talento a ninguém, o esforço para se fazer entender trama e letras é louvável. Mas não funciona, exceto pela orquestra. Salve os músicos brasileiros!

[Teatro ama-dor]

Diferente é o que ocorre com Amor! Coragem! Compaixão! (teatro Maria Della Costa).

É uma peça sobre amor e montada com paixão. Deficitária de divulgação, produção limitada mas inspirada na vontade de bem transmitir. O grupo camelou para conseguir patrocínio simplesmente porque a temática é homossexual. E não é!

O tema esmiuçado por Terrence McNally (Master class) é universal e não há quem não se emocione. O texto fala do valor da amizade, do amor fraterno em tempos difíceis. No meio de juras eternas de fidelidade e traições rasteiras impera a continuidade e a insistência de que, pela convivência sincera, podemos sobreviver. Ou pelo menos viver melhor.

Grande sucesso na Broadway, transformada em ótimo filme Amor! Coragem! Compaixão! foi vítima do preconceito burro, inconcebível em uma cidade cosmopolita.

[Parados na parada]

Aparentemente preconceito não pode haver em um evento que reúne um milhão e meio de pessoas. Mas não foi o que acompanhamos pela mídia.

Para seus organizadores, mais do que um marco de calendário, a parada gay transformou-se em uma espécie de organização permanente. Mesmo assim, não provoca unanimidades.

Líderes do movimento se pegam via jornais, os grandes patrocinadores que, no ano passado exigiram sigilo, neste ano, sumiram. Mesmo com este mundo de gente na rua - pasmem - o preconceito ainda dita regras. Não consegue barrar o baile, porém. A parada é um sucesso, embora não garanta os aguardados direitos homossexuais. Sem dúvida, é uma questão de tempo para que uniões estáveis sejam protegidas pela lei. Não vale a patrulha: o movimento gay tem sido vivido no Brasil há muito tempo independentemente de organizações (bem-vindas, por sinal) e apesar delas. Ir a boates, bares ou baladas ou mesmo à parada não é programa necessário para que se assuma a causa. Basta riscar a hipocrisia de seu dicionário.

[Parada junina]

Se não ir à parada gay é uma opção, as festas juninas são uma obrigação em nossos ouvidos. Não dá para escapar! A cada fim-de-semana de junho, temos de fechar todas as janelas da casa para sobreviver. Os estímulos vêm de norte, sul, leste, oeste e se vacilar do vizinho de cima. São Paulo não tem bumba-meu-boi, não tem cavalhada, não tem festa do peão de boiadeiro. Para que tanta festa junina? E as escolas transformando as pobres criancinhas em espantalhos? Deprimente, bobo, desnecessário. Quer boa festa junina? Vá ao nordeste onde o povo comemora linda e verdadeiramente os santos durante todo o mês.

[Amador * Ama-dor]

Somos um povo muito musical, rítmico, com a melhor percussão do mundo e uma ginga inimitável.

Alguns anos atrás, Bibi Ferreira, esta sim, pensante, trouxe para cá o espetáculo Piaf por ela protagonizado. Na montagem original, o final era melancólico com a grande estrela convulsionando, morrendo drogada, acabada pelo vício, aqui era igual... com minúscula, mas essencial diferença. Após a cena da morte por overdose, havia uma espécie de gran finale com Non, Je ne regrette rien (Não me arrependo de nada) seguido do Hymne a lamour (Hino ao amor)... todo mundo vibrava e o espetáculo terminava para cima, alegre, com esperança e vontade de ver de novo.

Se o pessoal do Chicago tivesse visto, pelo menos uma vez...

[O melhor de tudo]

Há anos, não se via em São Paulo um grande espetáculo, grande em tudo mesmo: do texto/concepção, iluminação, cenografia, direção, atuação. Funciona tanto que é de tirar o fôlego. Todo o tempo passado em um instante: são cinco horas, o que assusta e de repente gratifica! Podia durar mais! Mas o que perdura é o sentimento, o subjetivo agradecido à imensa sensibilidade da direção primorosa de Monique Gardenberg e ao furor interpretativo de Maria Luíza Mendonça - que atriz completa! -, Caco Ciocler - o melhor ator desta geração -, Jiddu Pinheiro; Lorena da Silva; Simone Spoladore; Helena Ignez e a extraordinária Beth Goulart.

Os sete afluentes do rio Ota, inspirado no espetáculo de Robert Lepage, em cartaz no Teatro Hilton é um milagre, imperdível até para os que odeiam teatro! Afinal ninguém deixa de amar a vida!

[Final]

Não pode alcançar os astros
Quem leva a vida de rastros
quem é poeira do chão.

Agradecemos à Monique pela recordação.

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