[A evolução pelo cinema]

O filósofo Henri Bergson era fascinado por filmes. Em A evolução criadora, a força do cinema como poder e síntese do pensamento humano são ressaltados como ilustração da teoria bergsoniana sobre o tempo. Para o filósofo, a medida do tempo não é semelhante para todos os mortais. O cinema seria a constatação máxima desta teoria. Ao entrarmos em uma sala de exibição fazemos uma espécie de pacto entre ambiente e espetáculo e se a projeção na tela nos arrebata nos desvinculamos da experiência em que vivíamos antes de o filme começar. A impressão do tempo pode ser expandida ou condensada. Uma existência pode ser condensada em duas horas de filme. Na literatura, Proust já o fizera, assim como Virginia Woolf, mas em A evolução criadora (reeditado pela Martins Fontes, há muito tempo fora de catálogo) Bergson confirma o aprendizado via cinema e como o pensamento do século XX foi moldado por esta forma de arte.

[Casal cover , temperaturas diferentes] 

Chris Martin vai de Bono Vox. A esposa Gwyneth Paltrow sai de loira gelada. O passado retorna e enquanto o Coldplay nos lembra a beleza da simplicidade do rock melódico, Paltrow, linda e cínica, não consegue esquentar o frívolo Capitão Sky e o mundo de amanhã (lançado agora em DVD). O novo disco de Coldplay (X&Y) tem sido desprezado pela crítica, por-que-não-tem-nada-de-novo. E daí? O grupo liderado por Martin deixa de lado o predomínio de teclados e baixo escutados em A rush of blood to the head e opta pela guitarra épica, marca do U2. É impossível deixar de derreter com "White shadows" ou "Talk". Já com Capitão Sky, uma ficção científica passada na década de 1930 é fácil congelar em uma escolha absurda de Jude Law e Angelina Jolie, habitualmente explosivos, para fazerem papéis tão contidos e inúteis.

[Abaixo o orientalismo com o anti-prozac]  

Psiquiatria e terror sempre foram temas caros do cinema. Em Batman begins, Gotham City está literalmente em pânico provocado por um produto líquido disseminado na água, tendo o hospital psiquiátrico da cidade como "quartel general" para a ação terrorista. O mais curioso é que tanto os terroristas, como Bruce Wayne passaram por aqueles treinamentos orientais que já cansamos de assistir em filmes chineses. Ninguém aprende nada com as mensagens de paz das tais doutrinas e tudo se resolve na porrada. O filme risca do mapa as produções anteriores de Tim Burton e, apesar de insistir em um certo mistério obscuro transformam o herói de depressivo em obsessivo-compulsivo. Agora Batman só pensa em vingança e deixa uma marca de destruição por onde passa. Ele que se cuide, pois em Os incríveis aprendemos que os heróis também podem ser processados e aposentados por imprudência...

[Homens odiosos, vitrines da banalidade, explosões da classe média]

Três livros recém lançados tratam das questões atuais do terrorismo, relacionando-as com o declínio da classe média do primeiro mundo: Breves entrevistas com homens hediondos (de David Foster Wallace, Cia das Letras) se apresenta como um livro de contos, mas há um fio condutor entre os capítulos. A narrativa de Wallace é cínica, pontual e jornalística. Windows on the world (Frédéric Beigbeder, Editora Record) tem como pano de fundo os ataques ao World Trade Center em 11 de setembro, especialmente ao restaurante do último andar, que dá nome ao livro. Assim como em Breves entrevistas, a ironia predomina, apontando para a morte inevitável e a banalidade da existência humana. J. G. Ballard (O império do sol, Crash) mais uma vez surpreende com Terroristas do milênio (Cia das Letras), o melhor destes três. Em mais um livro que trata de terrorismo e classe média, o autor fala do tédio de uma população que não vê mais graça no cotidiano modorrento e se põe a destruir, para agitar um pouco as coisas. Ballard mostra como é difícil ceder à tentação da rebelião, especialmente nos dias de hoje, em que os valores não têm mais sustentação. As três obras nos lembram que o problema do terrorismo não está perto de nós apenas como ameaça, mas a raiz de pesadelos futuros pode estar escondida em nossa vizinhança. Pior ainda: pode se encontrar dentro de nós.

[A salvação pelas mulheres]

Marina Lima reeditada ("coleção anos 80" ), só comprova o talento da menina do Rio que há vinte e cinco anos injeta beleza e poesia na MPB. A maioria dos CDs (todos lançados nos anos 80) nem tinha sido distribuída, além de mal editada ou esgotada. Agora o som é perfeito, remasterizado (seja lá o que isto queira dizer) e, livre das coletâneas. Podemos escutar Marina em sua evolução à parte, que não pertence a nenhum grupo e ainda reina solitária na modernidade dos temas que escolhe. Já Ná Ozzetti resolveu ousar pela parceria. Dona de voz única na MPB cedeu o mesmo espaço de seu canto para o extraordinário piano de André Mehmari. Juntos fizeram Piano e voz que mistura Caetano, Pixinguinha, Beatles e Ernesto Nazareth sem que percebamos as diferenças. Toque sublime de criatividade.

[Camila Baker]

Além do óbvio trocadilho com as irmãs (Cacilda Becker e Cleide Yáconis - a primeira a grande estrela de teatro dos anos 60-70 e a segunda ainda ativa), a peça não traz nada de original.

É patética em muitos sentidos, pois fala de tudo que já ficou velho e ultrapassado no teatro... há um tom de nonsense no qual a auto-gozação pouco ajuda.

Resumindo: os bonitões Daniel Boaventura, Marcos Mion, Leonardo Brício, Danton Mello e o feio gorducho Otavio Muller (o melhor de todos) vestem-se de mulheres para contar a estória de Camila Baker, atriz aposentada, lésbica, promíscua, incestuosa...- só para citar os pontos positivos da simpática personagem!

Tudo é ruim: da história mal contada à péssima auto-gozação, tudo muito "anos 70", até o esquecido Patrício Bisso já fez melhor e com muita originalidade 20 anos atrás.

[Cosi fan tutte]  

Mozart gostaria do esforço e não da montagem.

A maravilhosa música e a história extraordinariamente atual, de provar que assim fazem todas: dois machões que apostam serem suas noivas as mais fiéis mulheres do mundo. O velho professor aceita o desafio e os faz voltar disfarçados para seduzirem as próprias virtuosas... Todos sabem o final, afinal está no título.

O tema proporciona leveza, originalidade e humor, não o que se viu no Teatro São Pedro... Lentidão exaustiva, tornando chato um espetáculo tão interessante...

Valeu como treino, vamos esperar a próxima.

Um recado de psiquiatras: humor e alegria são iguais à leveza e velocidade.

"O cérebro pode inventar leis para o sangue,
mas os temperamentos ardentes saltam
por cima de um decreto frio!"
O mercador de Veneza
Shakespeare