Resident Evil: No Escuro Absoluto decepciona, mas é tolerável
Leon e Claire se encontram pela centésima vez
Desde o primeiro encontro entre Leon e Claire, em Resident Evil 2, fãs esperam por uma nova experiência envolvendo os dois personagens que esteja à altura da aventura que os apresentou, seja na forma de jogo ou qualquer outro tipo de mídia. Se, por um lado, Resident Evil 2 Remake agradou uma parcela considerável dos jogadores, No Escuro Absoluto, série animada da Netflix, é apenas mais uma daquelas obras das quais todos tendem a se esquecer.
O roteiro, tão empolgante quanto o dos piores jogos da série, até tenta trazer aquele clima de conspiração política ao qual muitas fãs da primeira trilogia podem ter se apegado, mas a abordagem nada sutil e os diálogos vazios passam longe de satisfazer quem se interessa por essas histórias de suspense. O desfecho, inclusive, tende a tornar Leon um personagem muito menos digno de respeito do que você imagina. Talvez tenha sido proposital, mas é bastante improvável.
Aliás, é difícil não se perguntar: por que uma série em vez de um filme? Os ganchos entre um episódio e outro até são bons, mas a narrativa dificilmente seria tão negativamente impactada se tudo avançasse sem interrupção, como em um filme. Pode ser que a sensação de "quero saber mais" após ver uma cena forte no capítulo anterior pareça interessante na teoria, mas, na prática, quantas pessoas realmente deixaram algum capítulo para depois? E, daqueles que deixaram, quantos realmente voltarão e assistirão o resto?
É verdade que as histórias de Resident Evil, no geral, são bem simples ou, pelo menos, não costumam trazer reviravoltas tão surpreendentes (com exceção de Code: Veronica, que está acima da média para a série). A essência narrativa dos jogos, mais do que nas cutscenes ou nos diálogos, está nos arquivos de texto. São eles que nos ajudam a compreender melhor aquele mundo e ter a tão prazerosa sensação de descoberta. É uma forma de presentear os curiosos e enriquecer o universo, algo perfeito para um game.
No seriado, entretanto, isso não é possível. Então, em qual solução Netflix e Capcom apostaram? Referências aos jogos e um desenvolvimento digno de Resident Evil 6. Por que seguir por esse caminho, que envolve um antagonista com planos megalomaníacos e (terríveis) cenas de ação, em vez de fazer aquilo que parece acontecer tão pouco nos jogos: interações entre personagens e construção de relações mais cativantes? O clima de suspense poderia se manter, assim como os eventuais sustos e até alguns tiros, mas tudo dentro de um contexto menos "grandioso" e mais intimista.
Além disso, sabemos que a Capcom criou personagens pelos quais inúmeros fãs se apaixonaram ao longo dos anos, então, por que não usar alguma desculpa para trazer esse pessoal de volta em vez de apostar no carisma negativo de coadjuvantes extremamente genéricos? É difícil não ter a impressão de que a Capcom não confia no potencial dos protagonistas de Resident Evil. Seria excelente ver, pelo menos uma vez, todos eles reunidos. Mas não naquele contexto terrível de Resident Evil 6, é claro. Talvez essa experiência tenha traumatizado a empresa, mas vale tentar de novo. Seria muito mais legal ver Claire e Jill interagindo, por exemplo, do que apenas indicar que elas se conhecem por meio de um arquivo de texto.
Até faria sentido argumentar que os personagens são indiferentes para um seriado criado com o objetivo de atingir um novo público, mas, até por essa perspectiva, Resident Evil: No Escuro Absoluto faz um trabalho ruim. A menos que você saiba quem são Leon e Claire, não há como entender por que um deles é tão respeitado e a outra... Bom, sejamos honestos: Claire merecia mais. Na série, ela parece só uma fundadora de uma ONG que um dia conheceu Leon e agora está brincando de investigadora. Fico na dúvida até mesmo se a animação dela não era pior do que a de Leon, já que esse aspecto do seriado oscila absurdamente a cada cena — ou até durante uma mesma cena em que há componentes bem e mal animados.
Apesar de ser situada entre Resident Evil: Degeneração e Resident Evil 5, a série ainda deixa de construir pontes realmente relevantes para os fãs dos jogos. Tudo o que acontece contribui muito pouco para o enriquecimento do universo de Resident Evil. Já que decidiram ir pelo caminho da megalomania, podiam ter mudado drasticamente o futuro de pelo menos um personagem (Ashley, por exemplo) e deixado que a desgraça fosse mais longe do que apenas a ruína de pessoas com quem nunca nos preocupamos ou sequer conhecíamos.
Obviamente, é sempre bom rever Leon e Claire, mas essa reunião tinha potencial para ser muito melhor do que foi. Fãs da franquia podem se divertir assistindo, porque já estão acostumados com como a Capcom costuma tratar a história e conhecem os personagens, mas novatos se sentirão completamente perdidos. Se for o seu caso, passe longe. Se não for, pense muito bem em como poderia gastar duas horas da própria vida fazendo outra coisa.