Review: Bayonetta Origins é uma jornada memorável sobre infância feminina
Um jogo que surpreende por sua dimensão
Bayonetta Origins: Cereza and the Lost Demon chegou como uma surpresa.
Apesar de ter sido revelado em um capítulo secreto de Bayonetta 3, o grande público só conheceu a proposta no The Game Awards 2023, quando foi apresentado como um jogo por si só. Um presente para os fãs.
Mas, naquele ponto, não era possível prever a dimensão desse presente. Cereza and the Lost Demon ficou em desenvolvimento por cinco anos, e tirá-lo do pacote para trilhar a Floresta de Avalon ao lado de Cereza e Cheshire por cerca de 15 horas é uma jornada memorável, composta por muito charme, criatividade e surpresas.
O jogo de ação e aventura com elementos de plataforma e puzzle simula a leitura de um conto de fadas, oferecendo ao jogador o folhear das páginas conforme uma dupla improvável forma um laço inseparável de amizade.
Apesar do esquema confuso de controles e a dificuldade que tarda a engatar, Cereza and the Lost Demon cumpre bem a premissa de ser uma fábula infanto-juvenil.
Mais ainda, o jogo surpreende ao ser um raro bom exemplo de representatividade da infância feminina nos games, oferecendo uma história de origem melancólica e profunda para Cereza aos moldes de Child of Light.
A análise a seguir contém detalhes dos acontecimentos finais de Bayonetta 3. Por isso, fica o aviso de spoilers.
Pela estrada a fora
A primeira impressão deixada no jogador tem tons vibrantes e textura de pinceladas. A identidade artística de livro ilustrado com um toque macabro de Tim Burton e Irmãos Grimm casa perfeitamente com a proposta do game, traduzindo em tela a jornada de uma garotinha em um mundo fantástico de fadas – que, nesse caso, são nada boazinhas.
O level design surpreende. Construído como uma espiral, o trajeto trilhado por Cereza e Cheshire tem uma dimensão maior do que realmente é, mascarando efetivamente sua linearidade.
Essa impressão é proporcionada pela movimentação da câmera isométrica, que rodopia e ultrapassa diferentes profundidades de quadro para acompanhar Cereza e Cheshire.
Enquanto isso, diferentes acontecimentos se desenrolam nas demais camadas da pintura, como inimigos à espreita e olhares curiosos que observam a dupla.
Também há o fato que os cenários são nada menos que deslumbrantes, formados por texturas coloridas que se movem e possuem profundidade, criando a impressão de um mundo dinâmico e vivo.
Outro fato que adiciona profundidade ao conto de fadas é a impressionante trilha sonora – de longe, a mais bem elaborada da franquia.
Debruçando-se no folk celta e em uma orquestração épica, os compositores apostam nas cordas para transmitir o encanto de Avalon. Esse charme está até nos efeitos sonoros como, por exemplo, o abrir de um baú do tesouro.
O resultado é um mundo que consegue ser mais amplo do que realmente é. A exploração é, sim, bastante linear, mas em certo ponto torna-se possível voltar facilmente para qualquer área já descoberta.
Revisitar os cenários premia os jogadores com um punhado de atividades, como desafios de batalha e puzzle chamados Tír na nÓg, tesouros, Wisps para encontrar e páginas de livro para coletar – as quais oferecem um mergulho mais aprofundado na lore.
O gato de Alice
Para escapar da floresta de Avalon e ajudar sua mãe, a pequena Cereza conta com a ajuda de um demônio que toma posse de seu bichinho de pelúcia, Cheshire – uma referência ao gato de Alice no País das Maravilhas.
Os fãs acostumados com o gameplay de ação frenético de Bayonetta estranharão os controles.
Aqui, é necessário parar, pensar e ser estratégico no avanço, pois é necessário controlar a bruxa e o demônio simultaneamente: o lado esquerdo do controle controla Cereza, enquanto que o lado direito controla Cheshire.
Apesar de ser possível explorar os cenários como uma unidade, com a bruxa carregando o gato no colo, ainda é necessário usar os comandos simultâneos para superar puzzles e batalhas.
No caso dos puzzles, esse esquema de controles é bastante interessante. Os quebra-cabeças são criativos e satisfatórios, exigindo que o jogador movimente Cheshire para pressionar botões e bloquear projéteis de forma a permitir que Cereza avance tranquilamente do outro lado da tela.
Ao mesmo tempo, o combate é bastante confuso, pois coloca a prova o quanto o jogador consegue ser ambidestro. Enquanto Cheshire golpeia, é necessário deslocar Cereza para longe dos inimigos – mas não longe demais, pois o feitiço da garota que prende os adversários no chão são essenciais para os combos do demônio.
Mesmo que o combate se torne mais intuitivo com o avanço do game, ainda no final da aventura é fácil se pegar completamente perdido no campo de batalha.
Os controles, porém, não chegam a ser um problema sério. Afinal, o jogo tem o propósito de ser uma experiência interativa de contos de fadas, e por isso possui pouca variedade de combos, inimigos, batalhas de chefão simples e pouco desafio – mesmo com o modo de dificuldade “pushover” (difícil) ativado.
A despedida
A narrativa não costuma ser o forte da franquia Bayonetta, mas aqui a história é outra, para a sorte dos fãs. O conto de Cereza e Cheshire é simplesmente encantador, de forma que é fácil se emocionar com a amizade improvável e doce da bruxa e o demônio.
O carisma da história se deve, em muito, pela narração da atriz Jenny Lee, que encarna a professora mais querida do ensino fundamental que o jogador tem na memória.
É uma pena que a história se estende demais – em específico, o arco uma certa personagem tem uma resolução apressada que carece de sentido. O game poderia muito bem ter sido encerrado uma hora antes, quando os protagonistas descobrem o segredo mais profundo de Avalon.
A quantidade de atividades secundárias é satisfatória, o suficiente para fazer os fãs gastarem mais de 15 horas no game. Há até mesmo um epílogo protagonizado por Jeanne que, apesar de curto, possui conexões fortíssimas com os acontecimentos de Bayonetta 3.
No fim, Bayonetta Origins: Cereza and the Lost Demon tem sucesso em estabelecer uma origem para a bruxa com uma experiência encantadora e deliciosa de se jogar no Switch, ainda mais no modo portátil.
Mais ainda, aqueles que terminaram Bayonetta 3 perceberão que o spin-off se trata do adeus à Cereza que os fãs precisavam, sendo responsável por adicionar ainda mais complexidade a uma das protagonistas femininas mais queridas dos games.
As jogadoras que investirem em Bayonetta Origins se depararão com um retrato de infância feminina (do inglês “girlhood”) surpreendentemente identificável, em que uma garota deve encarar seus demônios interiores resultantes da pressão social em cumprir as expectativas de outros.
O jogo de origem de Bayonetta se enquadra nas recomendações da chamada “Task Force on the Sexualization of Girls” (“Força-tarefa contra a sexualização de meninas”) da Associação Americana de Psicologia (APA), como levantado pelas pesquisadoras de gênero Claudia Mitchell e Carrie Rentschler no livro “Girlhood and the Politics of Place”.
A Associação encoraja “apresentações alternativas de meninice, sexualidade e poder”, visto que promovem a discussão sobre modelos não objetificados da infância feminina.
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