Review: Animal Crossing: New Horizons

Com ritmo de progressão renovado e atenção absurda aos detalhes, Animal Crossing chega ao seu ápice no Switch

Por Pedro Henrique Lutti Lippe 09.04.2020 16H16

"Que tipo de jogo é Animal Crossing? É igual a Harvest Moon? O que você faz ali dentro? Qual é o seu objetivo?"

A evidente simplicidade de Animal Crossing esconde o fato de que articular boas respostas para essas perguntas é uma tarefa difícil até mesmo para alguém como eu, que jogo os títulos da série com afinco há quase duas décadas. Ao longo do último mês, porém, jogando o novo Animal Crossing: New Horizons por algumas horas todos os dias e sendo bombardeado por conteúdo do jogo nas redes sociais durante as demais, acredito ter encontrado uma explicação satisfatória o suficiente.

Trata-se de um jogo de escapismo - de fuga para um mundo onde não existem problemas. É uma experiência relaxante, feita sob medida para ser encaixada em qualquer bloco de tempo disponível na sua rotina diária, como uma sessão de exercícios físicos ou um lanchinho fora de hora (mas que tem hora marcada). Ele sequer é carente de atenção, e funciona perfeitamente como um 'game secundário' para te acompanhar por meses ao mesmo tempo em que você joga outras coisas.

Você pode explorar o mundo de jogo como um passageiro, que está ali apenas para curtir as interações com NPCs ou outros jogadores, ou então tomar as rédeas da ação e construir o vilarejo dos seus sonhos. É você que determina seus objetivos: dos menores, como missões que podem ser cumpridas em um único dia, até enormes obras que cobram dias de planejamento e outros ainda para a execução.

E não, não é igual a Harvest Moon.

Divulgação/Nintendo

A estrela de Animal Crossing é um empolgado habitante de um pequeno e bucólico vilarejo. No controle de seu avatar, o jogador deve encontrar maneiras de cultivar uma comunidade agradável ao lado de seus vizinhos, que são todos animais cheios de personalidade.

Quinto capítulo principal da série que nasceu no Nintendo 64, New Horizons chega ao Nintendo Switch tendo como principal diferencial um leque imenso de opções de personalização, que permite ao jogador alterar na minúcia todos os aspectos visuais e funcionais de seu vilarejo. Isso inclui coisas como o reposicionamento de todas as casas e construções, o uso de mobiliário dentro e fora de sua casa e até mesmo alterações no relevo das paisagens e no curso dos rios.

Em sua essência, porém, o game continua descompromissado como sempre: acompanhando o relógio do mundo real, os dias amanhecem e anoitecem no vilarejo mesmo que o jogo não esteja aberto. Montando sua própria rotina dentro do mundo virtual, o protagonista pode pescar, caçar insetos, colher recursos, ajudar seus vizinhos, construir coisas ou visitar os vilarejos de amigos no ritmo que desejar.

A motivação para retornar ao jogo dia após dia mora na promessa da evolução deste mundo virtual. Árvores e flores plantadas na segunda-feira crescem e dão frutos até o final da semana, por exemplo. Personagens misteriosos como vendedores ambulantes podem aparecer no vilarejo da noite para o dia. Paralelamente ao calendário do mundo real, eventos como a Páscoa e o festival da colheita são contemplados dentro do jogo com missões e itens colecionáveis sazonais.

Divulgação/Nintendo

A única razão pela qual Animal Crossing não se torna enjoativo em poucos dias é seu nível inacreditável de atenção aos detalhes. Um exemplo: existem centenas e mais centenas de tipos de móveis diferentes que você pode comprar, encontrar ou construir para mobiliar sua casa. E cada um deles é modelado com grande esmero, com uma estética sempre consistente com o resto do mundo e com animações que são ativadas quando um avatar interage com o item - como a maneira como as portas de uma cristaleira se abrem.

Todos os pormenores do jogo parecem ter sido criados com carinho, dos diálogos engraçados às incríveis representações dos peixes e insetos capturados pelo jogador que ficam em exposição no museu do vilarejo.

Como nada no jogo existe por acaso, todas as descobertas são divertidas. Animal Crossing oferece surpresas diárias - em geral, surpresas pequenas que não bastariam em isolamento, mas que juntas criam um maremoto de satisfação constante.

E mais do que todos os capítulos anteriores da série, New Horizons tem a estrutura necessária para que jogadores desfrutem de tais descobertas das maneiras que preferirem - seja jogando na TV, no modo portátil do Switch, sozinho antes de dormir, ou até mesmo ao lado de até sete outros amigos através de multiplayer online ou local. Há quem prefira usar Animal Crossing como um paraíso virtual pessoal, que não deve ser compartilhado; e há aqueles que não veem valor em construir um vilarejo legal sem poder mostrar para todo o mundo. O jogo contempla os dois grupos e todos os que se encaixem no espectro entre eles.

Divulgação/Nintendo

Grande parte dos argumentos expostos nos parágrafos acima poderia também ser usada para descrever títulos anteriores da série, como o brilhante New Leaf de Nintendo 3DS. Mas há algo que New Horizons traz à mesa pela primeira vez: um ritmo de progressão renovado, pontuado por diversos sistemas que desbloqueiam itens e funções de jogo como recompensas na medida em que certas metas são alcançadas.

Quando o jogador abre o game pela primeira vez, ele é recebido não por um vilarejo em pleno funcionamento, mas sim por uma ilha deserta. Sua primeira noite é passada dentro de uma tenda de acampamento improvisada, e não de uma casa de verdade.

Erguer uma comunidade funcional a partir de um mar de ervas daninhas é um esforço que dura algumas semanas, e que é muito recompensante. Diferente de seus predecessores, New Horizons obriga o jogador a fazer por merecer cada pequeno aspecto de seu vilarejo. A mudança agrada fãs de longa data por oferecer mais contexto para o mundo do jogo, e também pessoas que antes evitavam o game por achar que ele não tinha uma estrutura de progressão tradicional como se espera de um videogame.

Atividades como recepcionar um novo morador da vila após passar um tempo coletando os recursos necessários para mobiliar a casa dele, ou então visitar o museu recém-construído após se esforçar para que ele fosse inaugurado são muito mais recompensantes do que chegar em um mundo em que essas coisas podem ser tomadas por garantidas.

O novo sistema de criação de itens ainda coloca uma bem-vinda camada de complexidade em cima de tudo isso. Ainda que ver suas ferramentas de nível básico quebrando com rapidez possa irritar no início da jornada, a possibilidade de conseguir receitas raras e trabalhar para obter os materiais necessários para torná-la realidade torna o dia-a-dia no jogo mais empolgante.

Divulgação/Nintendo

Os trunfos de Animal Crossing: New Horizons ainda são acentuados pelo próprio Nintendo Switch. Apesar de ter surgido nos consoles de mesa, foi nos portáteis que a série encontrou sua verdadeira vocação - afinal, o game é ideal para ser aproveitado em várias sessões curtas ao longo do dia. Mas é na TV que os belos e fofinhos gráficos do game ganham destaque, tornando possível aproveitar ao máximo o valor estético de suas criações.

Assim, a natureza híbrida do Switch mistura o melhor dos dois mundos em New Horizons.

A modernidade também trouxe ao game muitas melhorias de qualidade de vida que tornam a experiência muito mais fluida. Alguns exemplos são a nova roda de acesso rápido às ferramentas, a possibilidade de vender itens mesmo quando a loja estiver fechada (ainda que uma taxa seja cobrada pelo serviço) e os sistemas simplificados de doação ao museu e armazenamento de itens.

Há, porém, uma escolha de design aparentemente infundada que pode arruinar a experiência de jogadores que querem aproveitar o game dividindo um único Switch: o jogo só permite a criação de uma única ilha por sistema. Desta forma, jogadores que entrarem na ação depois tornam-se atores secundários em seu próprio vilarejo, incapazes de exercer o mesmo nível de influência que o 'Player 1'.

O posto de coadjuvante pode bastar para jogadores menos experientes que só querem aproveitar o game para se descontrair, mas certamente decepcionaria quem planejava aproveitar tudo o que o jogo tem a oferecer em pé de igualdade com um familiar ou companheiro.

Divulgação/Nintendo

Após um mês no mundo real e mais de 80 horas de jogo, sinto que ainda estou apenas arranhando a superfície de tudo o que Animal Crossing: New Horizons tem a oferecer.

Ainda falta entrar no jogo durante a madrugada para ouvir as músicas-tema relaxantes que tocam na ilha no horário em que eu deveria estar dormindo, e também aproveitar as outras estações do ano. Ainda preciso conhecer vários outros animais antes de decidir quais são meus favoritos, que irei manter na ilha como vizinhos permanentes. Ainda falta até mesmo pagar o empréstimo que tomei para construir o porão da minha casa, que à essa altura já pode ser chamada de uma mansão.

Por sua natureza e ritmo únicos na indústria dos games, Animal Crossing pode não ser um jogo para todo mundo. Mas justamente por sua natureza e ritmo únicos, talvez Animal Crossing seja exatamente a experiência nova que você estava esperando de um videogame - e New Horizons é o melhor que a série tem a oferecer.

Nota do crítico