Quantum Break | Crítica

Game dos criadores de Max Payne demora para engrenar, mas torna-se aventura profunda sobre viagens no tempo

Por Bruno Silva 01.04.2016 05H01

Apesar de estar na Finlândia, a Remedy conseguiu captar a essência de gêneros audiovisuais popularizados nos Estados Unidos como poucos estúdios. Primeiro, o fez com o film noir em Max Payne. Depois, com o terror e a linguagem da televisão em Alan Wake (muito antes dos jogos episódicos entrarem na moda, diga-se de passagem). Em Quantum Break, a desenvolvedora aborda a ficção científica e cruza a fronteira da TV com um projeto ousado: um híbrido de produção com atores e um jogo.

A primeira pergunta - e a que menos quer calar nessa história - é bem simples: a ideia dá certo? Sim e não, ao mesmo tempo. Não porque Quantum Break comete um dos maiores pecados capitais das produções televisivas: um começo fraco. Se o tema é ficção científica, o game parece ter se inspirado nas dezenas de candidatos mal-sucedidos a sucessores de Lost, no qual o excesso de mistérios e o ritmo acelerado do primeiro ato fazem qualquer um ficar perdido.

Tudo começa com Jack Joyce (Shawn Ashmore), que recebe um desesperado pedido de ajuda do seu melhor amigo Paul Serene (Aidan Gillen), para fazer o último teste de uma tecnologia com potencial para mudar a humanidade: uma máquina do tempo. Entre os dois, há o irmão do protagonista, William Joyce (Dominic Monaghan), o gênio responsável por formar as bases teóricas da viagem no tempo e com quem Jack tem um relacionamento conturbado.

Tempo é poder

Quando o experimento dá errado, o campo de partículas que mantém o tempo fluindo “quebra”, desencadeando um processo que vai parar todo o tempo para sempre e, ao mesmo tempo, confere poderes temporais a Jack e a Paul, que ressurge décadas mais velho, no comando da Monarch Solutions e atrás da cabeça dos irmãos Joyce. È com o barulho dos tiros dos guardas que o game começa, nos colocando para correr desde seus primeiros minutos.

Os poderes temporais de Jack se traduzem em um rol de habilidades à disposição do jogador: ele pode criar campos onde o tempo corre mais devagar, diminuindo a velocidade dos inimigos; pode dar corridas que o “teleportam” de um lugar a outro (ou retardar o tempo a sua volta por completo), criar escudos de proteção, causar explosões em qualquer ponto do cenário. Por fim, ele ganha uma “visão temporal”, que convenientemente mostra inimigos e revela elementos interativos no cenário.

Na teoria, as habilidades de manipulação do tempo criadas pela Remedy são interessantíssimas. Na prática, nem tanto - ao menos no começo. O estúdio finlandês manteve a tradição de seus jogos anteriores e recorreu ao tiro em terceira pessoa para a base dos combates, que compõem uma porção significativa do jogo. Embora tudo seja executado com competência, você passa boas horas utilizando as habilidades temporais como auxílio para meter bala nos inimigos. É fácil (e um tanto injusto) criticar jogos pelo que eles não são, mas é um pouco frustrante ver ótimas ideias a serviço de uma estrutura tão comum.

Entretanto, tudo muda enquanto à medida que o jogo avança. Conforme Jack ganha novas habilidades e melhora as que ele já tem coletando pontos de cronum no cenário, os combates vão ficando mais interessantes. Novos inimigos também ajudam a manter o desafio, como soldados com roupas especiais que permitem locomoção mesmo com o tempo parado.

Você nunca vai deixar de atirar, mas poder alternar entre as diferentes habilidades temporais para eliminar os inimigos dá ao combate aquela diferença fundamental que garante satisfação e diversão, de forma similar ao bullet time que consagrou Max Payne. Mas isso, claro, só quando Jack se aproxima da plenitude de seus poderes. Com o perdão do trocadilho, é preciso dar tempo a Quantum Break.

Você decide

Depois de um início afobado, a trama se ajeita e vai colocando todas as peças em posição. Como toda obra sobre viagens no tempo, Quantum Break se debruça sobre a questão fundamental que vem com essa possibilidade: é possível alterar o passado? Esse dilema dá o tom da narrativa, dividindo os protagonistas entre as duas respostas possíveis - e é aqui que a ideia da Remedy de contar uma história que transita por duas mídias fundamentalmente diferentes começa a se encaixar.

Enquanto Jack acredita que é possível mudar o tempo, Paul acredita que tudo está estabelecido e não pode ser mudado - algo chancelado por sua experiência de ter ido ao passado. Os dois lados da história também distribuem os pontos de vista em cada meio pelo qual a trama se desenrola. No game, quem conduz a narrativa é Jack Joyce, controlado pelo jogador; na série, vemos o que acontece por dentro da Monarch, cujos integrantes travam uma disputa secreta por poder, em um roteiro que cresce de qualidade de maneira constante, cheio de surpresas e reviravoltas.

Entre os tiros, o linguajar científico e as conspirações, o dilema imposto pela possibilidade de mudar ou não o passado dá peso a cada uma das escolhas colocadas na nossa mão, pontuadas em momentos-chave que se situam entre a fase jogada com Joyce e o episódio. Tais decisões, que tomamos na pele de Paul Serene, mudam bruscamente a narrativa, alterando não só a trama como um todo como também mudando as cenas dos episódios da série.

Muito embora a produção seja excelente, com bom figurino, cenários e até mesmo algumas cenas de ação interessantes, a experiência de um híbrido de série e game proposta pela Remedy é bem menos revolucionária do que o alardeado. Embora a dualidade filosófica entre herói e vilão mantenha tudo interessante, a ideia de que suas ações dentro do game alteram o destino da série acaba se tornando muito mais pontual do que em jogos nos quais as escolhas são mais frequentes e se ramificam por toda a trama, como Mass Effect. No geral, Quantum Break passa a sensação de ser um jogo entremeado por longas cenas de corte, mas gravadas com atores.

Minha única reclamação fica por conta da conexão. Como os episódios são otimizados para streaming, uma internet menos potente ou um problema na Xbox Live (o que aconteceu durante os testes) pode impedir a transmissão da série. Nessa situação, há três alternativas: esperar o streaming voltar, pular o vídeo e assistir posteriormente, ou baixar todos os episódios para o disco rígido, em um download mais pesado do que o próprio jogo (76GB).

A dublagem em português de Quantum Break também é um ponto positivo. Uma das pioneiras na localização entre as grandes produtoras, a Microsoft acertou nas escolhas das vozes (Marcelo Campos, o Mu de Cavaleiros do Zodíaco, encaixa-se perfeitamente no papel de Jack Joyce) e não economiza na linguagem, colocando (muitos) palavrões quando necessário. Nas legendas, há alguns poucos erros de ortografia, mas não chega a atrapalhar a experiência.

A beleza no fim do tempo

De todas os elementos que surgem dos conceitos de viagem no tempo propostos pela Remedy com Quantum Break, o mais interessante deles, sem dúvida, é a composição de fases decorrente da manipulação e dos lapsos temporais. Desde o começo do game, Jack utiliza o poder para alterar pontos do cenário de modo que ele consiga prosseguir. Um canhão antigo desmontado há anos pode ser “remontado” em questão de segundos e virar uma ponte para o protagonista, por exemplo.

A proposta fica ainda mais interessante quando a frequência dos colapsos temporais aumenta, congelando o cenário e criando verdadeiras pinturas caóticas que mudam o tempo todo, transformando-se em caminhos e obstáculos para Jack. Um exemplo está na destruição de um galpão em um porto no qual o protagonista se encontra, pouco depois do começo do jogo. O tempo para antes que a construção seja destruída por completo, e este vai e vem temporal vai formando os caminhos para escapar.

Essa ideia se repete diversas vezes no decorrer da aventura, em configurações espaciais malucas e, ao mesmo tempo, estonteantes - muito por conta do excelente visual alcançado pelo estúdio finlandês, que impressiona não apenas nos cenários, como também na captura de movimentos e expressões faciais. Embora a maioria dos desafios seja fácil, nestes lapsos temporais há potencial para um game à parte, só com desafios de plataforma.

Em seu título mais ambicioso até agora, a Remedy pode até querer que prestemos mais atenção em sua alardeada proposta de quebrar barreiras entre os games e a TV, mas, por trás de todo o experimento transmídia, é jogando que descobrimos as maiores qualidades de Quantum Break: a forte construção de cenários e a jogabilidade que, mais uma vez, apresenta boas ideias.

Quantum Break será lançado em 5 de abril para Xbox One e PC. O game foi testado em um Xbox One. Confira a página do game na Xbox Live clicando aqui.

Nota do crítico