Metal Gear Solid V: The Phantom Pain | Crítica

Hideo Kojima reinventa Metal Gear e surpreende em sua última obra à frente da saga

Por Bruno Silva 01.09.2015 20H31

Hideo Kojima nunca escondeu que é fã de David Bowie. O game designer japonês sempre fez referências ao trabalho do cantor em Metal Gear Solid, dos easter eggs ao visual de quase todo o elenco da saga. Mas a característica mais marcante que une o rockstar e a franquia é a capacidade de se reinventar.

Em quase 30 anos, Metal Gear já foi muita coisa: jogo de ação furtiva, de sobrevivência na selva, de estratégia, de lutas contra chefes memoráveis. Foi exemplo de união entre cinema e games, experimento incompreendido (hoje, revolucionário) de metalinguagem e inesgotável fonte de surpresa para o jogador - dentro e fora da tela.

Em Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, Kojima não poderia se despedir de sua maior obra sem transformá-la mais uma vez. E, desta vez, de forma definitiva. Unindo quase tudo que a série já apresentou sob enormes mundos abertos, o jogo se reinventa e muda a todo momento para acomodar o estilo do jogador.

Deixando de lado a estrutura cinematográfica que fez sua fama no mundo dos games, Kojima espalha as conhecidas cutscenes que davam fio aos títulos anteriores por um sem-fim de missões que dão liberdade absoluta ao jogador, tornando-o, pela primeira vez na história da franquia, no principal agente do jogo. É claro que Phantom Pain tem suas sequências memoráveis - a introdução no hospital, já apresentada em diversos trailers, entra facilmente no panteão de grandes momentos da saga -, mas o que há de mais marcante não é o que você assiste, e sim o que você faz.

Cães de diamante

Na nossa prévia sobre Phantom Pain, em junho (leia para saber como o jogo funciona), falei sobre como uma única missão se desenrolou de maneiras completamente diferentes para vários jogadores que fizeram o teste. Esta diversidade de ações se espalha por todo o game, que se molda de forma impressionante a todo instante de acordo com as decisões que você toma, minuto a minuto, no campo de batalha.

Você precisa destruir um tanque, mas não tem o lança-foguetes recomendado para fazê-lo? Sem problemas, você pode usar explosivos C4, ou até mesmo roubar um dos tanques e utilizá-lo contra o outro. Você precisava seguir um tradutor para chegar ao prisioneiro que quer resgatar, mas ele é assassinado? Sem problema, há jeitos alternativos de completar seu objetivo. Não existem maneiras erradas de prosseguir e são raríssimos os momentos em que o não-cumprimento de certas condições o impedem de continuar o jogo. Phantom Pain sugere, indica, mas quase nunca o obriga a fazer as coisas de um determinado modo.

Isso se aplica tanto na ação como no gerenciamento da Mother Base, cuja reconstrução é central tanto para a trama (Snake quer voltar a ter a base que lhe foi tirada pelos mesmos homens que o deixaram em coma) quanto para a jogabilidade (você precisa que ela cresça e seja povoada por soldados de qualidade para aprimorar seus equipamentos). Ela também se molda à sua vontade. Em uma determinada missão, precisei roubar um caminhão. Como o veículo estava cercado por soldados, era impossível tirá-lo de lá dirigindo, e minha base não tinha nível o suficiente para desenvolver o upgrade do balão Fulton para que ele fosse extraído. No meio da ação, consegui realocar integrantes da Mother Base para o time de desenvolvimento de itens, fazer a pesquisa do upgrade do balão, equipá-lo e usá-lo para extrair o veículo. O jogo permitiu que eu completasse a missão contornando até mesmo as aparentes limitações da minha equipe.

A diversidade de caminhos e de opções que o jogo oferece para nos dar liberdade surpreende ainda mais quando se leva em conta a quantidade de elementos no cenário. Soldados, carros, tanques, helicópteros; rifles, fuzis, pistolas, granadas, minas terrestres; cavalos, cachorros, ursos, ovelhas, ratos, lobos; torres, barracas, contêineres, montanhas. Absolutamente tudo, do Metal Gear Sahelantropus ao excremento de um animal, tem uma utilidade dentro do jogo, em um das visões de mundo aberto mais inovadoras e ambiciosas desde a popularização do gênero por GTA III. Tudo isso evidencia mais o trabalho hercúleo da Kojima Productions em mais de três anos - boa parte deles desenvolvendo o motor Fox Engine, que, além de permitir tudo isso, ainda ostenta gráficos detalhadíssimos e impressiona com seu sistema de clima dinâmico.

O homem que vendeu o mundo

Até mesmo alguns elementos da história se curvam a esta liberdade, algo espantoso e impensável há alguns anos em uma saga na qual quase todos os games acabavam entrando, cedo ou tarde, na linear estrutura cutscene-sala-chefe-cutscene. A maior prova disso é que as tradicionais explicações geopolíticas e de tecnologias, que antes eram colocadas no meio da história, foram escanteadas para um submenu no qual você pode ouvir fitas cassete com gravações de conversas entre Snake e os demais personagens do jogo - na maioria das cenas, o personagem de Kiefer Sutherland fica mudo e praticamente só ouve o que coadjuvantes como Miller e Ocelot têm a dizer.

Se este é o seu primeiro Metal Gear, vale ir atrás dos games anteriores (ou ler o nosso artigo sobre a história da série) para poder entender melhor o que se passa neste game, que conecta as duas “eras” da saga: a dos prelúdios, protagonizada por Big Boss, com a original, do herói Solid Snake. Entretanto, nada disso vai te impedir de aproveitar o maravilhoso mundo aberto criado por Hideo Kojima: basta saber que Phantom Pain é uma história sobre vingança e reconstrução de um passado perdido.

Chega a ser quase poético que o jogo cuja trama mostra Big Boss abandonando seus antigos ideais para se tornar um vilão movido pela vingança tenha sido cercado pelos mistérios sobre a relação entre Kojima e a dona da marca Metal Gear, a Konami, que, aparentemente, também mudou durante o período de produção. Na verdade, é impossível não lembrar do caso ao ver o nome de Kojima e de sua equipe serem creditados em cada uma das missões principais.

De saída da empresa onde trabalhou por toda a sua carreira, Kojima não poderia ter se despedido de sua maior criação de maneira melhor: em vez de um ponto final, o game designer entrega em Phantom Pain uma folha em branco para que o jogador crie suas próprias histórias no campo de batalha. Mais uma vez (e, a frente de Metal Gear, pela última vez), um dos maiores game designers de todos os tempos nos surpreendeu.

Metal Gear Solid V: The Phantom Pain está disponível para PlayStation 4, Xbox One, PC, PlayStation 3 e Xbox 360. A versão testada foi a de PlayStation 4.

Nota do crítico