Epic Mickey | Crítica
Warren Spector entrega uma história em que moralidade e jogabilidade conversam o tempo todo - mas a câmera não colabora
Desde a era dos 16 bits os jogos da Disney não têm grande inspiração. Assim, mesmo quando foi revelado que Epic Mickey teria o aclamado designer Warren Spector, de Deus Ex, na sua condução, foi difícil acreditar que não tratava-se de outra história descartável, com personagens conhecidos, mas mal-trabalhados, encaixados no contexto do game apenas de maneira alegórica. Felizmente, Epic Mickey provou-se o extremo oposto dessa expectativa.
Mickey Mouse
Epic Mickey
Coelho Oswaldo
Epic Mickey
Epic Mickey
Apesar de continuar sendo visto por muitos como um título voltado para as crianças, este jogo exclusivo do Nintendo Wii é uma grande homenagem histórica aos estúdios Walt Disney, abrangendo desde seus personagens antigos, criados nos primórdios da animação comercial, até os parques temáticos da Disney. Conforme o jogo progride, é possível notar que estes personagens secundários foram tão bem trabalhados quanto o próprio Mickey Mouse, que desta vez não é apenas um personagem cômico, mas um relutante herói clássico.
Na trama, quando Mickey atravessa o espelho de seu quarto, recriando a ideia de Alice no País do Espelho, o camundongo encontra nos domínios de Yen Sid (o feiticeiro do segmento "O Aprendiz de Feiticeiro" de Fantasia) a maquete de uma versão alternativa da Disneylândia, onde vivem os personagens rejeitados e esquecidos da história da Disney. Por um descuido, porém, Mickey derrama a tinta de um pincel mágico neste reflexo sem fama, chamado Wasteland, criando um pavoroso monstro feito de tinta e, no processo, é transportado para o lugar, agora desolado e terrível.
O líder de Wasteland é Oswald, o Coelho Sortudo, personagem criado por Walt Disney em 1927. O criador perdeu a propriedade sobre o orelhudo para a Universal ao não notar uma cláusula no contrato de distribuição que assinou com a empresa. Mais tarde, decepcionado, dedicou-se a trabalhar, já em sua própria empresa, em outro personagem que seguia mais ou menos a mesma linha, o conhecido Mickey Mouse. Epic Mickey marca a primeira aparição de Oswald em uma propriedade original da Disney em mais de 80 anos (a empresa conseguiu recuperar os direitos sobre ele em 2006), embora, estranhamente, não seja a primeira aparição do coelho em um game, já que ele coestrelou o jogo Pica-Pau de Master System (1996). Aqui, naturalmente, Oswald está ressentido com seu bem-sucedido meio-irmão, então a jornada de Mickey em Wasteland é em busca da confiança de Oswald para que, juntos, eles possam deter o monstro de tinta.
Obter ou não a confiança de Oswald depende totalmente das escolhas do jogador, e este é o grande diferencial do título. Antes de cair em Wasteland, Mickey consegue um pincel mágico, que lhe permite disparar tinta ou solvente. Enquanto os jatos de tinta restauram objetos e personagens, o solvente os desintegra. Os ambientes do jogo, além de extremamente inspirados, podem mudar o tempo todo devido à ferramenta. Uma parede feita de pedras empilhadas está em seu caminho? Você pode encontrar outro caminho nas plataformas ao redor, ou talvez apenas usar o solvente para dissolvê-la. Mas será que os pedregulhos escondiam algo?
Essas questões tornam o jogo interessantíssimo e cada uma das abordagens tem suas vantagens e desvantagens. Pintar significa construir, o que além de ser útil ao mundo o torna mais bonito, portanto, é uma escolha heroica. Já dissolver as coisas, ainda que represente uma saída mais fácil, é também mais egoísta. Inimigos podem ser diluídos até o esquecimento ou pintados até se tornarem aliados, influenciando na jogabilidade e na história. Essas decisões inicialmente não parecem afetar tanto o andamento do jogo, mas é possível perceber sutilmente as mudanças geradas. Com o uso, muda-se também o medidor de tinta, que aumenta ou diminui de acordo com suas decisões.
Isso tudo fica evidente quando se joga Epic Mickey pela segunda vez, quando escolhas opostas provam que é possível afetar drasticamente a forma como os personagens de Wasteland reagem ao seu estilo. Não é realmente uma escolha entre ser "bom" ou "mau", já que Mickey não é um personagem maligno, mas as opções permitem interpretá-lo como egoísta em certas situações.
Outras opções morais também existem e podem passar quase despercebidas na primeira vez, mas mudam drasticamente o rumo da história. Por exemplo, antes de enfrentar o Capitão Gancho você tem a opção de salvar a Sininho, ou partir direto para a luta. Esta escolha afetará tanto o andamento da luta quanto a continuidade da trama.
Não fosse pela ótima narrativa e esse sistema de decisões, porém, Epic Mickey teria sérios problemas para manter seus jogadores entretidos até o fim. A mecânica do jogo tem problemas que chegam a ser frustrantes. O controle das pinceladas é feito intuitivamente com o Wiimote, que serve tanto para adicionar e remover elementos do cenário como para atacar os inimigos. A mira, no entanto, é problemática quando há diversos inimigos cercando Mickey, pois ela requer muita precisão para achar o ângulo certo para atingi-los, mesmo quando parece que você está mirando perfeitamente. Isso é extremamente desagradável especialmente no começo, quando Mickey ainda não tem certas habilidades extras, que tornam possível derrotar diversos inimigos de uma só vez.
Para completar a frustração, a câmera é terrível. Ela geralmente segue automaticamente o protagonista, mas frequentemente se posiciona em um ângulo que dificulta a progressão. Em algumas ocasiões é possível movê-la lentamente com as setas direcionais, fator absolutamente necessário em fases nas quais você precisa alcançar diversas plataformas em um andar inferior (simplesmente por que a câmera padrão não permite ver o andar de baixo para saber onde pular). A cada pulo deve-se posicionar a câmera novamente para não cair. Mas em muitos casos a câmera simplesmente congela em um ponto, obrigando o jogador a realizar um "salto de fé" para prosseguir. Morrer em casos como este é algo comum... mas pelo menos existe a opção de começar a partir de um ponto gravado anteriormente, já que muitos "save points" estão espalhados pelo caminho.
A câmera também age como verdadeira inimiga nas batalhas. Não existe um botão para que ela trave em um oponente, e quando se está lutando contra vários inimigos ao mesmo tempo, é quase uma obrigação mudá-la manualmente para conseguir enxergar todo o campo de batalha. Em outros casos, inimigos surpreendentemente saltam na frente da tela, deixando os jogadores sem saber contra o que estão batalhando, e nos corredores apertados ela frequentemente fica presa dentro das paredes, ou se posiciona muito próxima aos obstáculos, obstruindo completamente a visão. Nem todo jogo precisa de um mecanismo de travar nos inimigos, mas todos necessitam de um sistêma de câmeras que coopere com o jogador.
Com aproximadamente 10 horas de duração, Epic Mickey possui, além de sua campanha principal, alguns objetivos paralelos que rendem algumas horas a mais se você decidir cumpri-los, e um alto fator replay, que aguça a curiosidade de quem deseja apreciar o que pode acontecer se as escolhas não forem tão bondosas quanto as da primeira vez. Apesar de possuir um mundo em 2D para a seleção de fases, parecido com o castelo da princesa de Super Mario 64, o jogo é linear e não permite retornar aos mundos já completados, o que torna a busca pelos desafios muito contida e força o jogador a sempre seguir em frente em vez de incentivar o retorno às fases para descobrir algo que era necessário e acabou passando desapercebido da primeira vez.
Mas, enfim, o mais importante é mesmo como a narrativa consegue deixar o jogador preso à história e querendo terminar o game. Epic Mickey não possui reviravoltas surpreendentes e aposta no crescimento gradual dos personagens e na tensão criada sobre eles, o que garante um clímax extremamente satisfatório. Há certos deslizes, objetivos desnecessários, a monotonia de algumas fases (que pelo menos passam rápido) e a câmera difícil de aguentar, mas quando o jogo acaba e se olha para trás, para as várias experiências que Mickey teve de enfrentar, é possível notar claramente o cuidado minucioso com a história, que consegue surpreender a cada partida.