Crítica: Fable III

Retorno a Albion é construído por escolhas

Por Érico Borgo 30.11.2010 21H49

Deixar a casa dos pais em direção a um mundo desconhecido, no processo tornando-se um herói e conquistando a princesa, é uma motivação metafórica perseguida por gerações de jogadores de RPGs de fantasia. Essa aventura arquetípica, que remonta aos poemas épicos e mitologia, com objetivos já entranhados no DNA de qualquer garoto, foi o ponto de partida também na série Fable do Lionhead Studios.

Fable

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Mas o público gamer cresceu e boa parte dele sabe bem que a princesa está em outro castelo, que aquele orc aterrorizante precisa ser tratado com respeito ou o cheque não chega no fim do mês, que um certo teor alcoolico na sua poção de vitalidade vai bem com parcimônia aos fins de semana. Enfim, que a vida adulta vem acompanhada de responsabilidades e que para cada escolha há uma consequência.

Por preocupar-se com esses temas, Fable III, nova criação de Peter Molyneux - eternamente obcecado com os dilemas morais -, é louvável. 50 anos se passaram e a Revolução Industrial chegou ao reino de Albion e, com ela, a paisagem mudou um pouco. O reino bucólico, conquistado com muito esforço pelo jogador em Fable II, agora está nas mãos de seu filho, um tirano com verdadeiro desprezo pelo povo. Assim, a jornada do novo personagem, herdeiro mais jovem do herói do game anterior, passa por decisões difíceis, a começar pela própria premissa: trair a família e juntar-se à rebelião.

Escolhas são o grande tema do jogo. Cada uma altera não apenas como os habitantes de Albion enxergam seu personagem, mas a própria face do mundo e o visual do herói. Na primeira metade do game elas têm pouca relevância, mas a vida adulta bate à porta no final, com o novo status do protagonista, que deixa de ser o campeão de tantas aventuras para se tornar o regente que tantas vezes você mesmo já teve que destronar. Não é fácil administrar coisa alguma, muito menos agradar a todos - e o jogador aprende isso da pior maneira possível. Novamente, para cada ação há uma consequência, para cada promessa haverá uma cobrança depois...

Mas ao mesmo tempo em que essas opções são interessantes, outras promessas, essas da própria Lionhead, vão lamentavelmente de encontro à premissa de Fable III. As declarações de Molineaux prenunciavam um jogo centrado nas escolhas. Mas a opção fundamental de qualquer uma - "sim" ou "não" - não existe. Na jornada em direção ao trono você automaticamente aceita os pedidos de seus aliados, ou seja, inexiste a opção de não realizar as promessas e, sem elas, a narrativa não avança.

Descontado esse erro primário (deveria ser possível seguir sem aliados - mas muito mais difícil), Fable III segue apostando em território conhecido e testado. Continua a interação inocente entre herói e habitantes de Albion, agora com ainda mais possibilidades. O humor também permanece intacto, com toques de comédia britânica, evidenciados pela presença de John Cleese e Stephen Fry. As numerosas missões paralelas(ainda que poucas empolguem de verdade) e os belos cenários ajudam no objetivo geral e há um sem-fim de tesouros e itens para colecionar. A economia é uma diversão à parte, com todas as casas e comércios podendo ser comprados, transformando o jogador em um poderoso magnata da indústria imobiliária.

Para quem gosta de acumular fortunas (que podem ser divididas com um parceiro ou parceira online, no modo de jogo cooperativo), uma boa história e exploração, Fable III deve ser um entretenimento de horas e horas. Mas quem se importa com as batalhas - e já conhecia a série - ficará decepcionado com a simplificação dos controles e magias. Todo o elemento tático original foi deixado de lado em detrimento de um sistema mais simples e de fácil manejo, visando um público mais abrangente. O problema é que essa opção e a falta de níveis de dificuldade e um sistema de progressão mais inteligente tornam o jogo fácil demais para gamers mais experientes.

Mesmo com tais falhas, a irreverência, as intenções, as vozes e a riqueza de Fable III fazem valer a nova visita a Albion, que, no Banco Imobiliário dos jogos eletrônicos, ficaria ao lado de Hyrule como um dos terrenos mais valiosos do tabuleiro. Fable III pode não ser o jogo definitivo da série que todos esperavam, mas ao menos ousou sair do lugar-comum do gênero e buscar, respeitando suas origens, um novo direcionamento.

Nota do crítico