Assassin's Creed: Syndicate | Crítica

Saga dos assassinos chega a era vitoriana com uma eterna sensação de déjà vu

Por Bruno Silva 22.10.2015 09H56

Enquanto escalava os prédios da bela Londres vitoriana de Assassin's Creed: Syndicate, sentia uma impressão permanente de já tê-la visto antes, em outro Assassin's Creed. O que se apresentava como uma novidade durante a progressão da aventura me remetia imediatamente ao que já tinha visto em outro game da série: uma determinada base, uma missão para liberar um território, um grande inventor bolando buigangas para mim (o desta vez é Alexander Graham Bell, criador do telefone).

Ainda que mostrasse bons diálogos, personagens cativantes e missões divertidas, o jogo ia "completando", quase como quem faz uma receita, o que já estamos acostumados a ver na franquia. Período histórico marcante: check. Eterna conspiração entre templários e assassinos encaixada nos conflitos sociais da época: check. Tumbas antigas e passagens secretas escondidas em cartões postais: check. Novidades de gameplay usadas à exaustão durante a aventura: check. Eu sei que o raciocínio acima é bastante simplista - e não leva nem um pouco em conta o grande trabalho de construção de ambientes realizado anualmente pelos vários estúdios da Ubisoft -, mas foi o que mais ficou aparente enquanto jogava.

Na prática, tudo funciona - fosse o primeiro de uma saga, ou o primeiro da franquia após um hiato, provavelmente pareceria mais interessante, capturaria mais a atenção. Sendo o oitavo game desde 2009 de uma franquia anual, é muito difícil parecer diferente aos olhos de quem já viu aventuras como essa tantas vezes. Claro, Assassin's Creed já conseguiu inovar mesmo sendo anual (AC Black Flag é um ótimo exemplo), mas as mudanças propostas pelo game deste ano não surtem o mesmo efeito.

Briga de rua

Em Syndicate, os protagonistas da vez são os gêmeos Jacob e Evie Frye, filhos de um grande assassino morto no combate aos templários. Cansados da tática de guerrilha adotada por seus superiores, os dois partem para Londres com o objetivo de tomar a cidade dos templários. O problema é que a facção inimiga, comandada pelo vilão Crawford Starrick (um dos inimigos mais legais dos últimos ACs, com a excentricidade típica de um Far Cry), domina a cidade de cabo a rabo, em uma hierarquia complexa que vai da alta cúpula política até o submundo sujo das gangues.

A situação evoca, logo de cara, o cenário do sensacional AC Brotherhood: o território é dividido por zonas, cada uma com um chefe, e você precisa derrotá-lo para liberar a área. Syndicate pega essa ideia e a desenvolve um pouco mais. Uma só gangue domina todas áreas da cidade (com ajuda templária), e para conquistá-la é necessário completar sidequests de sequestros, assassinatos e infiltrações - todas quase sempre iguais -, para ir liberando porções do território. Quando tudo estiver liberado, é desbloqueada uma briga de rua com o chefe.

Este Assassin’s Creed é de briga - talvez, mais do que todos os outros. Em uma Londres na qual os gângsteres e os policiais são seus inimigos, é difícil andar despercebido por muito tempo, então prepare-se para bater em muita gente. Parte por conta da ausência de espadas do game, o combate é ainda mais parecido com o da série Batman: Arkham, no qual você usa muito as mãos (e armas que podem ser escondidas, como facões e lâminas dentro de bengalas), mantendo um ritmo de ataque alternando entre golpes, contra-golpes, e um terceiro botão, que quebra a defesa do inimigo.

London is great

Entre altos e baixos, Assassin’s Creed nunca deixou de surpreender quando o assunto é construção de cenário. As recriações históricas das cidades sempre foram incríveis e, com a parte Animus/Helix dos games chegando ao seu período histórico mais avançado, o resultado é o maior mapa urbano da franquia, cuja locomoção seria um pouco maçante se não fossem adicionadas duas novidades neste aspecto - uma ótima, outra sofrível.

Londres é grande e cheia de prédios altos e, para completar, o sistema de corrida livre implementado em Unity não funciona tão bem por aqui - não foram poucas as vezes em que fiquei travado no meio de uma subida ou corrida, atrapalhando o ritmo. Para resolver isso, os assassinos pegaram emprestado do Batman o cabo que permite subidas rápidas aos prédios e travessias longas entre edifícios, facilitando muito a corriqueira andança pelos telhados que sempre gostamos, no que é provavelmente a melhor adição da franquia em muito tempo em termos de locomoção.

Mas também é possível se mover com rapidez pelo chão usando carroças e carruagens, uma das novidades mais alardeadas pela Ubisoft - e que mais causam dor de cabeça. Como transporte, estes veículos funcionam bem. O problema é que o estúdio encasquetou que os cavalos poderiam fazer as vezes de carros, como num GTA da vida, e, por isso, a aventura é povoada de situações em que você precisa perseguir e interceptar outras carroças. Imagine precisar correr por ruas estreitas com veículos lentos e gigantescos, batendo em tudo pelo caminho e você já tem uma noção do quão divertido é usar esta modalidade de travessia em Syndicate.

Uma saga, dois personagens

Outra mudança proposta por Syndicate é a introdução de dois protagonistas. Como todos bons irmãos, Jacob e Evie brigam o tempo todo (os diálogos são engraçados), e a discordância de filosofias entre os dois permeia todos os elementos do game: Jacob quer tomar Londres à força, batendo de frente com os templários e as gangues, e Evie prefere uma abordagem mais furtiva, tentando roubar as peças do Éden para obter uma vantagem significativa sobre um lado inimigo muito mais poderoso.

A personalidade de ambos define os caminhos que cada um toma e até mesmo as missões exclusivas da main quest, nas quais Jacob se envolve mais em conflitos abertos e Evie faz mais infiltrações. Curiosamente, os atributos dos dois personagens permanecem os mesmos durante quase toda a aventura - assim como em Unity, há uma árvore de habilidades para adquirir com experiência e os dois só começam a se diferenciar nos níveis mais avançados. Fora das missões exclusivas de cada personagem, você pode trocar entre eles a qualquer momento.

Além das brigas no submundo de Londres, também é necessário eliminar os “generais” de Starrick, que controlam o transporte, as finanças, o sistema de saúde, e por aí vai. Estas missões de assassinato são, de longe, as mais interessantes do game, já que você precisa descobrir maneiras de como se aproximar do seu alvo, pois encará-los de frente seria suicídio. Por isso, Jacob e Evie partem para o raciocínio não convencional, como, por exemplo, se fingir de morto numa maca para chegar perto de um medico templário, ou roubar a planta de um trem para saber a passagem secreta para o vagão onde está o inimigo.

Tá legal, mas e os bugs?

Com o enorme fracasso de Unity, o principal Assassin’s Creed do ano passado, por conta de seus inúmeros bugs, era inevitável que esta fosse uma das maiores preocupações dos jogadores com Syndicate. Sim, o game tem bugs: durante a aventura, topei diversas vezes com pessoas flutuando no cenário e, em algumas vezes, meu personagem também “andou no ar” ao escalar. Mas, ao contrário do que era frequente no seu antecessor, o game é muito mais estável e em nenhum momento tive de reiniciar o jogo por conta destes problemas.

Syndicate tem um cenário incrível, os melhores personagens desde Black Flag e atividades interessantes, mas não consegue tirar de si uma eterna sensação de déjà vu. A todo momento, não conseguia parar de pensar que já tinha visto em outro momento aquela missão, aquele combate, aquela infiltração. A franquia chegou em um nível de saturação tão grande que gera situações como esta, na qual o jogo é bom (em alguns momentos, ótimo), mas deixa a impressão de ser “mais do mesmo” - não por culpa própria, mas por ser apenas mais um em uma longa linha de títulos.

Assassin’s Creed: Syndicate será lançado em 23 de outubro para PlayStation 4, Xbox One e PC. A versão testada foi a de Xbox One.

Nota do crítico